sábado, 7 de setembro de 2013

Crendices

Foto iPhone - João Paulo Bessa

Chegou-se ao espelho, viu-se heroína e proclamou: “Nesse dia passarei a ter uma coisa em comum com os alunos do Colégio Militar: nesse dia estaremos a fazer história.”(1). Como do reflexo não viesse sinal de alarme desta abusiva imposição de partilha de vontades, excedeu-se e definiu cronologicamente um Setembro de 2013 com uma desmedida justificação: “O ano em que será extinta a ultima limitação de género da república portuguesa.”(2).

Ó senhora Berta Cabral, a última limitação de género na República Portuguesa?! Não o faz por menos?! Em que mundo vive, para onde olha e o que vê? A última limitação?!… 

Pensei que o argumento surgisse mais cedo – era imperdível, não era? Nada como justificar uma fusão apressada, cara e arruinadora de património com uma causa nobre – Igualdade de Género e Direitos da Mulher - e que serve simultaneamente de acusação: os Antigos Alunos do Colégio Militar não passam de um bando de machistas empedernidos. Condição, afirma-se aos sete ventos, que é a única e verdadeira razão da oposição dos Antigos Alunos: “Garantir que as mulheres continuariam sem entrar no Colégio Militar.”(3)

Tenho, senhora Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional, experiência suficiente de vida e bom conhecimento das questões de género – aprendo em casa: sou casado com Ana Coucello, feminista, presidente (2000/05) da Association des Femmes de l’Europe Méridionale (AFEM), vice-presidente (2002/04) do Lobby Europeu de Mulheres, presidente (2006/2008) da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres e antiga aluna (nº68/59) do Instituto de Odivelas – para não cair na primeira aparência só porque alguém se lembra de chamar o assunto à colação para melhor servir os interesses que conduz. E, claramente, não aceito o argumento. 

Porque se fosse uma questão de direito de acesso a solução seria simples: abria-se o Colégio Militar à frequência de raparigas – solução que não obrigaria a dar cabo – como pretendem dar - do secular Instituto de Odivelas. Que tem pergaminhos históricos. Patrimoniais. Inimitáveis. 

E não é assim. A Igualdade de Género só é aqui chamada como bengala de argumentário coxo. Porque tudo isto navega contra a sedimentação da História acobertado no disfarce da pretensiosa inovação da marca de Estabelecimentos Militares de Ensino e na insinuação, em promária caça de elogios, de que o peso da tomada de decisão está no rompimento de um inventado Clube do Bolinha onde menina não entra, mistificando e usando o que dá jeito para ignorar o que incomoda e criando contas, sem profundidade e confronto. para justificar a mais fácil das soluções: acabar com tudo e reduzir a História a zero. Assim, neste quadro que me impuseram, assiste-me o direito de perguntar: a quem vai interessar o Forte de Santo António da Barra sobre o mar que toca o Tejo? e a qualidade das instalações de Odivelas? e o Monumento Nacional do Mosteiro de S. Dinis? e o Claustro da Moura? e a Torre da Madre Paula? e a Sala do Tecto Bonito? A quem vão servir? quem ficará com eles, para que uso e a troco do quê? 

Aliás se o problema fosse uma verdadeira preocupação para encontrar soluções de acordo com os méritos da Igualdade de Género, também o Instituto de Odivelas abriria as suas portas a rapazes. Ah! Mas isso era impossível por causa dos custos, imagino-a a responder, senhora Secretária de Estado, num aqui d’el-rei de primeira-linha. Mas será?! 

Por favor, senhora Berta Cabral, não me venha com a pomposidade da estrutura de custos: há mais de dez anos que a Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar tem vindo a fornecer aos responsáveis de mais alto nível pela instituição, soluções que, se aplicadas, já teriam feito do Colégio Militar uma unidade autossustentável. E sem alteração do seu carácter fundamental. 

As razões da fusão destruidora – destruindo num despacho aquilo que levou séculos a construir - só podem ser outras…que valerão o exagero do custo da operação. 

Como já o disse mais do que uma vez não é o género feminino e a sua eventual frequência do Colégio Militar que me preocupa ou me faz espécie – a adaptação ao sentido dos tempos a isso levaria. O que me faz espécie é esta avidez, esta insustentável leveza de solução pretensiosa onde tudo parece valer para impor um duvidoso interesse já decidido. A que se acrescenta a perigosa vaidade de Fazer História. E para o garantir nada como ouvidos de mercador em contraponto à demagogia de argumentos falaciosos. 

O que continua em causa é a incapacidade de proceder às reformas que garantam que o carácter das instituições caminha sempre no sentido da excelência: escolar, desportiva e da aprendizagem de liderança baseada em valores perenes. Fazendo destas instituições de ensino uma demonstração cada vez mais qualificada da extensão do serviço público prestado pelo Exército Português. 

O que me incomoda, o que me indigna, senhora Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional, é o desplante da escolha cega e surda de um caminho desastroso para o carácter futuro destas instituições de ensino, nomeadamente – e para o caso que mais me diz respeito – do Colégio Militar. Melhor prova?! O facto de Marçal Grilo, conceituado especialista e convidado pelo seu actual Ministério da Defesa para estudar e propor as hipóteses de reforma, ter assinado a petição enviada ao senhor Presidente da República para pôr fim ao despacho ministerial que formaliza a fusão. 

Fazer História. Porque o titula, julga-se no direito a pretendê-lo. Está feita, diz a senhora Berta Cabral e o mundo curva-se. Curvar-se-á?! Deixá-la-á sonhar com a referência, na memória dos tempos, do seu nome na cronologia de sempre da luta – essa sim, quantas vezes heroica - pela Igualdade de Género? 

Fará História?! Ficará na História?! Só se for, senhora Secretária de Estado Adjunta e da Defesa Nacional, num rodapé a lembrar abuso consumado de uma operação infeliz e prejudicial ao património de Portugal. E que mais não é do que ofensa gratuita à memória de muitos. 
(Antigo Aluno 200/57)

(1) Fazer História, Berta Cabral in Diário de Notícias de 2/9/2013
(2) idem
(3) ibidem

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