terça-feira, 31 de agosto de 2010

As Tapeçarias de Pastrana

Falhar a visita à exposição das Tapeçarias de Pastrana que se encontram no Museu de Arte Antiga é imperdoável.

Pela primeira vez é possível ver as quatro tapeçarias – três sobre a Conquista de Arzila (o Desembarque, o Cerco e o Assalto) e uma sobre a Entrada em Tânger – à distância da comparação. São três peças de armar de 11x4 metros – a sobre Tânger será um pouco menor por perda de um bocado da sua parte superior – a que a possibilidade de ver a um palmo do nariz a alteração do ponto para compreender a definição de texturas e espacialidades, dá um carácter e um gozo muito especial à visita. Como terão ido parar às mãos dos Duques do Infantado é coisa de que nada se sabe – hipóteses apenas: saque da derrota de Toro? nunca terem chegado a Portugal? Quem sabe?

O título da exposição – A Invenção da Glória – é um achado e traduz desde logo a visão crítica (tão pouco comum na tradição do museu) que suporta a leitura pretendida das tapeçarias. Mandadas fazer pelo próprio rei/actor na oficina flamenga de Passchier Grenier em Tournai, expressam verdadeiramente à posteridade a visão de conto heróico do que se pretendeu ter sido a gloriosa campanha. A figura do rei Afonso V e do príncipe João estão ausentes da Entrada em Tânger por se tratar de um acto sem dignidade heróica suficiente. É fascinante a leitura – até mesmo do inverosímil - do amontoado de figuras, do número de barcos, das vestimentas, das armaduras, das construções, das paisagens, das diversas formas de exposição de riqueza que definem as diversas composições. Um espanto de preocupação de imagem futura: que me pensem bem poderia ser a legenda.

Novo mistério na História de Arte portuguesa: sabe-se quem mandou, sabe-se quem realizou, não se sabe porque estão em Espanha – em Guimarães apenas existem cópias – e diz-se saber quem pintou os cartões.

Às tapeçarias – numa expressão quase minimalista - juntam-se outras peças que as contextualizam - dois desenhos representando D. Afonso V (um deles o retrato realizado por Georg von Ehingen – o rei com chapéu de abas largas), uma chave de abóbada (do Convento de S. Francisco de Beja) retratando o rei com uma faca espetada, a cadeira do Convento de Varatojo onde os frades diziam sentar-se o rei, para além dos notáveis Painéis de S. Vicente - também um mistério de interrogações - colocados como habitualmente e de acordo com a visão que terá sido apontada por Almada Negreiros.

A presença dos Painéis – ao contrário da imposição de José de Figueiredo e Reynaldo dos Santos que, após visita à Colegiada de Pastrana e na característica ditadura de posicionamento, decretaram: quem desenhou os Painéis, desenhou o cartão das Tapeçarias – permite perceber, pela forma, pelo traço, pela perspectiva, que não: quem desenhou um, não desenhou outro. E daqui é possível ficar a saber-se que, se foi Nuno Gonçalves, pintor de D. Afonso V, autor dos cartões, não terá sido ele a pintar os Painéis – e vice-versa, claro está!

Nesta relação, a Invenção da Glória pode descobrir-se mais longe.

E se a visão dos painéis for outra? Se o políptico tratar do juramento de D. João II – afirmando o retorno à linha justa do mar abaixo contra o interesse da nobreza no aparente pouco risco e muito ganho que representaria o Norte de África? Se assim for, D. João II (1455/1495), de joelho em terra, jura perante o Livro e os cavaleiros, no painel imediato, juram a sua fidelidade perante o bastão real. No chão – representando a queda - a figuração de Portugal (visão também de Almada) embrulhado na corda de nós dos Bragança – depois de vós, nós – simbolizando uma nova ordem que a limpeza real declara e impõe. Se assim for – e consonante com o desenho de von Ehingen – o homem do chapeirão seria D. Afonso V (1432/1481) e a criança seria D. Manuel (1469/1521), filho adoptivo – e que lhe viria a suceder – de D. João II. Esta interpretação dos Painéis – que me dá algum gozo e que vale o que vale - resolve-me um problema com que sempre convivi mal e para a qual as diferentes explicações (excepto a de dois trípticos) pouco me convencem: a repetição da figura central. E que me dá sempre a sensação de que - neste arranjo que temos visto – faltará outro painel no meio dos actuais.

Várias têm sido as interpretações – com mais ou menos especulação, mais ou menos sentido patrioteiro a bem da nação , mais ou menos elegância ou talento – que este notável conjunto de Painéis tem merecido: que tal garantir que de tempos a tempos – trimestralmente, por exemplo - seria apresentado o arranjo formal de acordo com a análise e justificação dos diversos autores de trabalhos sobre o tema. Ganhávamos todos. O Museu e a invenção incluídos - seria culturalmente divertido.

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O mito sidonista

Façam a República, façam-na, terá dito Miguel Bombarda (1851/1910) a Brito Camacho em cima da morte.

Morro bem. Salvem a Pátria não terá dito Sidónio Pais (1872/1918) aos que o seguraram após os tiros na lisboeta estação do Rossio – invenção afinal do Repórter X* para jornalisticamente dramatizar.

Do primeiro, pouco nos contaram – vida, obra, ideais para além do republicanismo.

Do segundo, pretende-se sempre contar mais – servindo o mito para ilustrar o exemplo da boa governança direitista e patrioteira. De verdade, verdade, nada sei dele para além do que a propaganda ditou. Por acaso, mesmo por acaso, sei que era casado com uma irmã do meu bisavô. Por razões que desconheço – mas de que tenho suspeitas – o tema nunca foi falado lá em casa.

Mas o mito impera: Morro bem. Salvem a Pátria.

Com curiosidade espero a leitura do livro de José Jorge Letria para ficar a saber mais.
*Reinaldo Ferreira

domingo, 22 de agosto de 2010

Games da treta

Não tenho qualquer paciência para essa pacovice a que deram o pomposo nome de mind games – que, na versão séria, serão esquemas que inseridos numa determinada estratégia pretendem induzir os adversários ao erro. O recurso pacóvio a que assistimos no espaço futebol não passa, em mostras de se dar ares, de bravatas da treta a julgar que, por ditas, assustam e tiram capacidades aos seus pretensos alvos. O que é ridículo… mas fomentado pelo sistema: diz-se, publica-se, vende-se, explica-se e, embora despido de qualquer conteúdo interessante, dá a volta e segue até à próxima.
De manhã li em A BOLA: “Sabemos que vamos ser bicampeões.”, atribuído a Jesus, falando do Benfica. À noite, no game a sério, viu-se a mind, o valor da bravata e a qualidade da conversa…

O Roberto será o bombo de festa. E pode sê-lo: não tem classe, sai mal dos postes, é um susto para os adeptos. Roberto não é o bom guarda-redes – bom guarda-redes é o que evita golos, não o que os consente – que o Benfica precisa. Mas não pode servir para encobrir todo o mau restante. Porque a culpa não é só dele.

A defesa é constituída por Maxi Pereira (internacional uruguaio a jogar no último Mundial), pelo Luisão e David Luiz (internacionais brasileiros) e por Fábio Coentrão (que jogou no último Mundial e aí se mostrou como um dos melhores laterais). Na frente do quarteto, Javi Garcia que na época passada dava para encher o campo todo. É preciso melhor? A culpa é só do guarda-redes? E destes? E dos outros? E de quem comanda e tem a responsabilidade de fazer, do grupo, uma equipa?

E por falar em comando, quem – dentro do campo – tem essa tarefa? Quem sossega, quem altera, quem levanta responsabilidades, impõe respeito e exige a aplicação plena de eficácia? E os golos? Não haverá melhor maneira de lá chegar? Forma mais rápida? Mais eficaz? Sem rodriguinhos, tempos de espera e quase adivinhas?

Ser bicampeões? Pode ser… mas sem conversa porque certo, certo, é assim: conversa não marca golos. E no adro desta procissão já arderam seis pontos!

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Como é possível?

A ideia do antes do ser já o era que marcou o início da época benfiquista alertou-me para a dúvida instintiva do treinador: somos nós assim tão bons ou são os outros apenas assim-assim?
foto de telemóvel
Vi o Tottenham, na Luz, e achei mau; vi, na TV, contra o Porto e achei pior; vi, também na TV, contra a Académica e achei péssimo. Afinal os outros não passavam de assim-assins. Como é possível?

Uma boa equipa define-se pela consistência de resultados positivos, pela maioria de vitórias contra os seus iguais, pela qualidade do seu jogo e do espectáculo que proporciona e pela capacidade de não se deixar surpreender – de não perder com qualquer um… Nada disto está a acontecer com o Benfica: nem a equipa nem os jogadores - com a excepção Coentrão - deixam marcas de diferença.

Um médio e um bom jogador farão o mesmo. Com uma enorme diferença: o bom faz esse mesmo a uma velocidade superior. “Depressa e bem há pouco quem”, diz o ditado a marcar a diferença entre os bons e os razoáveis. Para uma equipa, a regra é a mesma: a diferença faz-se na velocidade. Aliás existe um conceito desportivo de oposição táctica que diz que “em desporto há resposta para tudo, excepto para a velocidade”. De tudo isto é retirável uma regra universal: uma considerada boa equipa, constituída por jogadores considerados bons jogadores, mostra a sua mais-valia jogando a velocidade tal que o mediano adversário não a pode acompanhar.

Jogar a baixa velocidade como o Benfica está a fazer é igualar-se aos razoáveis. Que cada jogador do Benfica – considerados, até pelo salário, como dos melhores jogadores – não seja capaz de executar a velocidade superior à de um jogador mediano é demonstração de uma de duas: ou estão sobreavaliados ou andam a pensar noutras coisas.

Um bom jogador é aquele que – recorro a Valdano citando-o numa das minhas definições preferidas – “encontra soluções para os companheiros e cria problemas para os adversários”. Quem se lembra disto no espaço do terreno de jogo? E por onde andam os golos – esse objectivo único do jogo? A garantia de qualidade de um ponta-de-lança mede-se – um guarda-redes também tem medida própria embora mais subjectiva – não pelo número de golos que marca, mas sim pela relação entre o número de oportunidades concretizadas e o número de oportunidades disponíveis – é esta taxa de eficácia (ou de desperdício se lida ao contrário) que dita o nível do ponta-de-lança. E se misturarmos a eficácia com a velocidade percebemos depressa que a lentidão exasperante de um Cardoso não faz o ponta-de-lança que uma equipa, que pretende ser campeã de Portugal e fazer figura na Champions, precisa.

A equipa não mostra carácter, os jogadores parecem triviais…Será Jesus capaz de lidar com este mundo – de prever, analisar, compreender, decidir e transformar – e afirmar-se como mais do que treinador ocasional? Clube, plantel e adeptos tem, veremos se cria o restante. Em tempo útil porque certo, certo, é assim: conversa não marca golos.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Pequenos?! Com 10 milhões?

Os resultados da selecção portuguesa de atletismo nos Europeus de Barcelona não foram nada maus. Quatro medalhas – 20º lugar -  com 45 pontos conseguidos a colocar-nos na 10ª posição entre os países presentes e dois recordes nacionais. E se é verdade que ninguém chegou ao ouro, também é verdade que a Naide Gomes saltou tanto como a primeira e o Francis Obikwellu ficou rés-vés o segundo. As medalhas, com estes ou outros actores, mais falhanço ou mais superação foram as esperadas: quatro. Parabéns a atletas e treinadores.

Segui, como pude e através da TV, os campeonatos. E se fui vibrando com algumas provas e resultados também me irritei com a insuportável mania – dita e escrita - da justificação calimera de contentinhos: a prestação portuguesa foi excepcional porque somos pequenos … só 10 milhões… que formidável…

Claro que não somos pequenos. Somos médios quando comparados com os outros países conforme demonstra Manuel Lima numa excelente exposição de evidências – O Síndrome da Pequenez, O Fim de uma desculpa injustificada – no seu blogue shapesofportugal.com e de onde retiro alguns dos seus gráficos. Entre 196 países do Mundo, demonstra, a dimensão de Portugal situa-o na 108ª posição (se for entre os 245 possíveis países, Portugal é o 110º equivalente a médio-grande). Na Europa, Portugal tem o dobro da dimensão da Dinamarca, da Holanda ou da Estónia e vale três vezes a Bélgica.


Em população, Portugal – recorro de novo a Manuel Lima – tem a 75ª posição no mundo e na Europa tem, entre os 45 países, a 13ª posição, ou a 10ª dentro da União Europeia.


Portugal país pequeno?! Nem por sombras.

Somos, isso sim, um país periférico que agarrado ainda a laços de herança salazarista - fascismo aldeão e religiosidade vingativa e castradora - ainda hoje nos mantemos num orgulhosamente sós de lições ao mundo que não deixa que a Escola faça, convenientemente, aquilo que deveria: ensinar a ler, escrever, contar, a explicar uma ideia e a compreender o mundo.

Pequenos, não. Apenas periféricos e sem capacidade educativa que nos leve ao salto necessário à aproximação que as novas tecnologias deveriam permitir. E é por sabermos isso que nos excedemos em justificações.

Melhor, para remate, é seguir Agustina Bessa-Luís: Portugal não é coisa para comentar. Ou se gosta ou não se gosta! Ela gosta, diz.

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