quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Evocação do Vasco Massapina

Foto de Silva Alves
Organizada pela Família e com o apoio da Ordem dos Arquitectos realizou-se na sua Sede dos Banhos de S.Paulo uma Sessão Evocativa do Vasco Massapina (1947-2012). Numa sessão muito participada - Auditório Nuno Teotónio Pereira cheio de Amigos, Arquitectos e Ex-alunos do Colégio Militar - intervieram o Presidente da Ordem dos Arquitectos, João Santa-Rita, Elísio Summavielle, Fernando Pinto, Helena Souto, João Soares, Luis Carvalho, Luis Pedro Cerqueira, Pedro Guimarães, Pedro Vaz - em representação da família - Rui Rasquilho e eu próprio.
Coube-me nesta evocação, o nosso tempo comum com início em 1957 no Colégio Militar. Este foi o meu texto:

Exmas Senhoras e Senhores. Amigos do Vasco
A memória tem uma enorme vantagem: enquanto existe não deixa esquecer. E nós, camaradas do 209 de 1957, colegas do arquitecto Vasco Massapina, amigos do Vasco, não o esqueceremos. Generoso, amigo do seu amigo, diligente, inteligente, culto e disponível temo-lo hoje, como o teremos amanhã, na nossa memória. Com saudade feita de longa amizade.
Conhecemo-nos já vão 57 anos e dez dias...
... nesta camarata da 1ª Companhia onde, no dia da entrada, fazíamos a cama pela primeira vez. Separavam-nos duas, três camas; ficámos na mesma turma. 
Começava assim o ano de "Ratas" numa vida de fardas, de formaturas, de paradas militares. De continências.
Iniciávamos então a construção de uma marca indelével de uma forma de ser, de uma forma de encarar a vida, de uma forma de estar no mundo. De uma solidariedade chamada camaradagem assente em valores tão claros como simples: não deixar ninguém para trás, nunca ser canalha, respeitar os valores da honra, da dignidade e da decência. Olharmo-nos de frente e assumirmos as nossas responsabilidades.
O Vasco sempre gostou de cumprir. E fazia-o de forma inteligente e imaginativa: por "ordem de serviço" éramos obrigados a escrever todas as quartas-feiras para a família. Uma chumbada, uma dor de cabeça na invenção do nada para dizer. Excepto para o Vasco: nas cartas que escrevia relatava os nossos jogos de futebol do campeonato inter-turmas para terminar a missão com um definitivo não tenho mais nada para contar. 
O Vasco gostava de se fardar bem, de aparecer de botas altas de equitação. Sempre impecavelmente alinhado - o Martiniano Gonçalves lembra que gostava de lhe cravar cigarros porque eram os únicos que saíam direitos dos bolsos - tinha uma postura permanente de elegância. Que lhe ficou para a vida.
No Desporto que o Colégio tornava obrigatório: a esgrima, o tiro, a equitação, a ginástica, o atletismo - levando-nos à prática do Pentatlo Moderno de que não conhecíamos existência, o Vasco, como tantos de nós, ainda fazia questão de pertencer às equipas representativas colegiais que disputavam os campeonatos da salazarista Mocidade Portuguesa.
Também gostava muito de cavalos e embora - por evidente estupidez nas prioridades do então responsável - não tenha feito parte da Escolta a Cavalo colegial, montava bem e tinha artes - como mais ninguém, aliás - de conseguir, nas diversas vezes que qualquer castigo o proibia de saída ao fim-de-semana,  o direito a um "cavalo de serviço". E então, com o Francisco Cardoso de Menezes a cronometrar, fazia da pista de atletismo o hipódromo de todos os sonhos.
De mais aulas, de menos aulas, mais formaturas e mais paradas, borgas e desatinos, chegámos ao fim do curso marcado pelo Baile dos Finalistas. Aos próximos avisou: deixem-se de palermices, nada de parvoíces, hoje vem cá a Isabel!
Gostava de fardas o Vasco, pensou em ir para a Marinha - farda azul no inverno, farda branca no verão - mas a Isabel, a caminho das Belas-Artes, levou-o, pelo amor de uma vida e para sorte nossa, a preferir Arquitectura.
Acabado o 7º ano - onde ambos pertencemos, no fundo da hierarquia, ao notável clube dos "furriéis" - o Vasco manteve sempre uma enorme e apaixonada relação com o Colégio e a nossa Associação de Antigos Alunos. Muitas vezes passava lá as manhãs de sábado a ver, orgulhoso, os netos nos treinos do Pentatlo.
Ao desafio do então Director colegial, Raúl Passos, para projectar um novo e complexo pavilhão desportivo que respondesse às actuais necessidades da formação desportiva de excelência, organizámos uma equipa peculiar: só podiam participar profissionais ex-alunos do nosso curso e nossos filhos. A nós juntaram-se o Adão da Fonseca e o Santos Coelho e os nossos filhos, o João Massapina, arquitecto e o Raul Bessa, engenheiro. E com a generosidade que punha em tudo que fazia, ao pró-bono dos projectistas, juntou o serviço do seu gabinete. Projecto que está pronto e à espera da inteligência de melhores dias para ver a primeira pedra.
E dessa sua permanente disponibilidade ainda resultaram, a pedido da nossa Associação, o anteprojecto do Colégio Militar de Timor e a reabilitação do Quartel da Formação para, a exemplo das "meninas de Odivelas", construir o nosso lar social.
Durante anos rimos - como gozávamos com o ar jamesbond de o "risco ser a nossa profissão" - e tivemos, longas, divertidas e interessantes conversas sobre políticas, politiquices, exercício da profissão, arquitecturas, urbanismo e, principalmente, sobre a mútua paixão da Cidade - essa obra-prima da capacidade do ser humano. Sempre disponível para a intervenção cívica e profissional, participamos, juntos, em muita actividade.
Por seu desafio e insistência - "a Ordem precisa da tua experiência", dizia - tenho sido nos últimos anos membro do Conselho Nacional de Delegados desta casa.
Gostaria assim por tudo o que nos liga que nós, camaradas do 209 de 57, trouxéssemos da nossa outra casa que será sempre do Vasco e para esta outra casa onde o Vasco  é membro honorário, a nossa saudação tradicional:
Senhores ex-alunos, de pé!
Pelo 209 de 57, pelo arquitecto Vasco Massapina, pelo nosso amigo Vasco: Zacatráz! Zacatráz! Zacatráz!
Zacatráz! Zacatráz! Zacatráz!
Zacatráz! Zacatráz! Zacatráz!
Ala, Ala! Arriba
Ala, Ala! Arriba
Allez, Allez à votre santé!


  

  


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

5 de Outubro

Convidado pelo Presidente fui às Comemorações do Dia da República na Câmara Municipal de Lisboa. Sentado na galeria junto de outros convidados vi chegar o Primeiro-ministro que, passando-nos na frente - literalmente en passant - lançou displicente: Bom dia. Como estão? Não resisti e lancei: Mal!, enquanto que o homem se refugiava na área dos gabinetes. A lata: com ar como se nada fosse, pergunta como se fossemos todos íntimos, como estão?! E com a governação que comanda havíamos de estar como? Bem?!    
Ouvi António Costa, a propósito da necessidade de preservar a memória, exigir a volta dos feriados de 5 de Outubro e 1 de Dezembro. E prometendo que Lisboa continuará a festejar um e outro com festejos adequados. Respondeu-lhe uma enorme salva de palmas - a única da sessão.
Depois falou Cavaco Silva. E por maior respeito republicano que possa ter por um Presidente não posso deixar de lamentar o teor e o tom do seu discurso. Pretensioso e fingido a deixar, no final, uma única e possível questão: E que fez Vossa Excelência com o imenso poder de que tem desfrutado ao longo de anos para evitar os males que nos apresenta como suas preocupações?  Um homem que passou anos no poder como primeiro-ministro e agora como presidente sacode, olímpicamente, a água do capote de culpas próprias para, qual extra-terrestre recém-aterrado, desatar a malhar por tudo quanto representa a sua acção e o seu pensamento político. Quer dizer, o homem mascara-se e rejeita qualquer responsabilidade pela actual situação. Quer como Presidente da República, quer como Primeiro-Ministro. Ou seja: nada tem com isto. Chegou agora...
Quer dizer que o que disse está errado? Nem por isso, mas faltou-lhe a dignidade corajosa de dizer que era parte do estado a que as coisas chegaram - que diabo, Cavaco Silva tem ligações ao poder de maior capacidade decisória durante quase vinte anos nos últimos 34 anos.
Acabada a cerimónia saí com Eduardo Lourenço, cumprimentámos António Costa, e fomos procurar um táxi - uma trabalheira em dia de Maratona - apanhável apenas próximo da Casa dos Bicos. Na volta, já sem a ajuda da sempre estimulante conversa deste camarada do Colégio Militar, perguntei, á vista de uns quantos de passo de corrida pesado, a um polícia: a que horas passaram os primeiros atletas? Ás 11 menos um quarto, respondeu. O relógio marcava 1 menos dez...

De povo, nada. O festejo da República fez-se sem povo. A praça da ovação da República não tinha o povo republicano que a defende. A História, na distração das nossas preocupações, está a perder-se neste jogo de apagamento forçado.

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