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quarta-feira, 8 de março de 2017

FAZER DE ALBERT SPEER


Volante de anúncio da sessão

A convite do Hélder Costa participei de novo nos Encontros Imaginários de A Barraca onde fiz de Albert Speer, arquitecto preferido de Hitler, bem vestido, bem falante, e - muito por isso - tido por "bom nazi" (como se isto fosse possível). Apanhou no Tribunal de Nuremberg 20 anos de prisão safando-se - como teria merecido como se veio a demonstrar mais tarde - da condenação à morte. Convencendo o Tribunal que nada sabia dos campo de concentração ou do extermínio dos judeus e de outros - como se fosse possível ignorá-lo enquanto Ministro do Armamento e Munições e que lhe dava o controlo da distribuição pelo Reich dos materiais de construção. Ignorando, como tantas vezes acontece ainda hoje, a relação entre a ética e a estética, o Tribunal - embasbacado provavelmente pelos seus dotes de artista - entendeu-o como arrependido e desconhecedor do Holocausto e limitou-se a condená-lo pela responsabilidade na utilização de trabalho escravo - com esse trabalho escravo conseguiu, ao que se calcula, prolongar a guerra por mais dois anos - e crimes contra a humanidade.
Terminada a prisão terá recolhido os proveitos da venda de quadros roubados a judeus, terá vendido desenhos de Hitler por bom preço, deu entrevistas bem pagas e escreveu livros que os saudosistas da suoremacia ariana compraram para levar uma santa e rica vida. Morreu com um AVC.
Albert Speer, arquitecto megalómano, criminoso de guerra, um safado que como grande precursor do trumpiano conceito de factos alternativos, montou bem a estória para fazer ignorar o seu apoio e cumplicidade incondicional a Hitler - com eventual desacordo sobre a política incendiária do "Decreto Nero". Vinte anos, vinte anos de prisão para um estupo desta ordem...
O espectáculo correu bem e foi divertido. Pelo menos para nós os quatro - Nuno Santos Silva, Vítor Ramalho, Hélder Costa e eu próprio - que, no palco, nos fartámos de rir.

sábado, 7 de janeiro de 2017

SOARES É FIXE!


Com o falecimento de Mário Soares (1924-2017) fechou-se um dos ciclos da minha vida. Toda a vida ouvi falar de Mário Soares. Mário Soares preso, deportado para S.Tomé, exilado em França. Mário Soares sempre contra a Ditadura. Mário Soares um Homem de Coragem e Convicções. Mário Soares a voltar de Paris no Comboio da Liberdade (28 de Abril de 1974) e a abrir-nos - com muito mais sabedoria que então lhe teremos atribuído - as portas da Liberdade e Democracia. Mário Soares a bater-se pela descolonização que os suportes do anterior regime, numa visão cega do andamento do Mundo, tudo fizeram, durante anos e anos e á custa de milhares de portugueses e africanos, para impedir. Mário Soares a abrir-nos o caminho da Europa. Mário Soares um Humanista. Mário Soares um homem de visão. Mário Soares que nos dava a confiança de garantir saber traçar uma linha que não admitiria que fosse ultrapassada e que marcava a diferença para a Liberdade.
Mário Soares sempre presente. Mário Soares Republicano, Socialista e Laico. Agora fica-nos a memória de um Homem Notável. A não esquecer!
Varanda do edifício da Sede da Campanha no Saldanha em Lisboa
imediatamente após a divulgação dos resultados eleitorais
Fiz parte, enquanto director executivo da Imagem - a convite e nomeação do Director de Campanha Gomes Mota - do "quartel-general" da campanha do MASP que acabou por o eleger, pela primeira vez, Presidente da República. Tempos notáveis de recordações formidáveis. O "Soares é fixe!" nasceu na sala ao lado - um jovem, Adelino Vaz, entrou e disse: Tenho o slogan! Disse-o e foi uma adesão imediata de quem estava no Gabinete - quando foi transmitido ao Candidato  foi oficialmente aceite com um sorriso discreto de quem sabe o valor das coisas - e a sua máxima expressão esteve num memorável discurso de Pinto Machado num comício na Avenida dos Aliados no Porto. E foram comícios - com o José Nuno Martins a ser a voz de comando e animação da multidão connosco a deixarmos-lhe as notas de frases - com quilómetros de viagem por todo o país ou a procura do Rui Ochoa para que pudessemos publicar a sua fotografia que mostrava a agressão na Marinha Grande. Ou a lembrança da gravação do Rock da Liberdade (letra do António Pedro de Vasconcelos), no estúdio com o Rui Veloso para que tudo saísse bem e rapidamente. Ganhou as eleições, felizmente, num resvés que nos marcou a sorte. 
Na tomada de posse, estando na escadaria da Assembleia da República, vi-o a passar revista às tropas em parada - o passo nem sempre acertava (ou acertava mesmo pouco) com as batidas do "caixa". Disse para o José Lello que estava ao meu lado: Momento histórico: nunca mais vai haver um militar na Presidência da República. 
Depois de eleito foi sempre muito atencioso comigo - chegou a sair das suas posições protocolares para - com espanto de muita gente - me vir cumprimentar. Um dia, no Estádio Nacional e em dia de final da Taça, mandou um agente do seu serviço de segurança ter comigo - que estava na bancada central - para me dizer: "O sr. Presidente pede-lhe para vir comigo para ir ter com ele à Tribuna". Fui e ofereceu-me lugar na Tribuna numa cadeira a seu lado e, quase a sussurrar, disse-me: "Sente-se aqui e vá-me explicando isto que não percebo nada...". E fomos conversando sobre o jogo de futebol...
Tenho boas lembranças de Mário Soares e sou-lhe agradecido pelo que fez por Portugal.

domingo, 26 de abril de 2015

25 de Abril sempre!

Lisboa, Terreiro do Paço, foto JPBessa
"O telefone tocou às 4 da manhã. Por sorte nem sequer tive pensamentos de susto do tipo morreu alguém! Pensei de imediato que só podia ser o Dário, grosso em qualquer barra de balcão, a lembrar-se dos meus anos (a minha Mãe jura que nasci precisamente a essa hora). Não era, era a Maria João Simões com o habitual sossego na voz:
-- É agora. Ou vai ou racha. Liga o Rádio Clube Portugês. 
-- São de que lado? perguntei a pensar no 16 de Março e a pensar no medo do medo dos acossados.
-- Dos nossos, sossegou-me. Liga o Rádio Clube. Passa palavra.
Passei. Liguei ao meu Pai, ao Dário, ao Xico Sequeira, a quem me lembrei,"


Início do texto Lembranças dos Cravos que escrevi no 25º aniversário do 25 de Abril de 1974.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Eleição de Mário Soares - MASP


Da varanda do Saldanha, o primeiro discurso como Presidente da República eleito

Faz hoje vinte e nove anos que Mário Soares foi eleito, pela primeira vez, para a Presidência da República no que foi, depois do 25 de Abril o acto mais significativo da Democracia portuguesa. 
Dias depois, na tomada de posse, vi-o em São Bento e já como Presidente empossado passar revista às tropas em parada de passo trocado com a marcha que a banda tocava. Pensei e disse-o para quem estava comigo: Depois disto nunca mais veremos um militar em serviço como Presidente da República.
Era o primeiro passo da civilidade nacional, o paternalismo militar desaparecia definitivamente e iniciava-se uma nova era na Democracia portuguesa,

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Charlie Haden (1937-2014)


Charlie Haden com Carlos Paredes e Fernando Alvim no Hot Clube de Portugal, 1976
(foto: João Paulo Bessa) 

sábado, 16 de novembro de 2013

Francisco Salgado Zenha

Os meus Dois Presidentes
Fundação Mário Soares, fotografia em iPhone
Há cinquenta anos olhava para o "Chico" Zenha, homem do "reviralho" como dizíamos, num misto de profunda admiração e curiosidade. Conheci-o em Soutelo, próximo de Braga, onde passavamos Setembro. Com os amigos era de manhã no Rio Homem - às vezes à conversa com a paciência do Szabo - e à tarde, no clube que lá existia, entre um pequeno rectangulo relvado cheio de futeboladas e um campo de ténis de cimento. E lá apareciam também o "Chico" Zenha e a mulher Maria Irene com as raquetas. Eles passavam e nós a olhar: contra o Salazar? já esteve preso? e levou porrada lançava algum mais conhecedor.
E nós a olhar... até que um dia a Graça, minha parceira tenística, de olhos a brilhar e a dizer-me: eles querem jogar connosco. O Chico e a Maria Irene querem jogar connosco.
Nós, a Graça e eu, não fazíamos mau par-misto - durante alguns anos, entre juniores e seniores ganhamos alguns títulos e diversas taças. Mas jogar contra o "Chico" Zenha e a mulher... era, naquele tempo, uma responsabilidade.
Lá fomos e aquilo tornou-se um hábito de fins-de-tarde. De retorno anual. Grandes jogatanas.
Estive há dias na Fundação Mário Soares a ouvir, no ciclo "Vidas Com Sentido", os meus dois Presidentes - Soares e Sampaio - a falarem sobre Francisco Salgado Zenha e sobre o que nós e a Democracia portuguesa lhe devemos. E foi bom recordar a personalidade de Salgado Zenha e as suas qualidades humanas e políticas. Com ele percebi a perigosidade (e o objectivo) da Unicidade Sindical - explicou-a de forma clara e  inequívoca. Com ele também percebi - no exemplo prático da sua passagem pelo Ministério das Finanças - que a política comanda, deve comandar.
Pela posição que tomou junto à prisão de Caxias nos dias seguintes ao 25 de Abril, levou a que milhares de pessoas - entre os quais eu - nos mantivessemos dia e noite na exigência de libertação dos presos políticos sem qualquer das reservas que os militares pretendiam, então, impor.
Após a conferência dos Dois Presidentes, Mouta Liz explicou a generosidade e grandeza de Salgado Zenha quando os defendeu em tribunal contra a acusação de "terrorismo". Foi também lembrada - por alguém que lhe agradeceu a sua própria libertação - a responsabilidade de Zenha na libertação das grilhetas da Concordata na questão da aceitação do divórcio civil.
Falada foi também a ruptura com Soares e a sua candidatura à Presidência da República: questão de visões distintas sobre o papel dos militares na Democracia. Naquela altura o campo dividiu-se e eu, como outros, coloquei-me, com muito custo pela admiração e respeito que tinha por Salgado Zenha,  ao lado de Soares - fui, a convite de Gomes Mota, o director executivo da Imagem do MASP I. E se ambos me davam a garantia do traçado de uma linha que não deixariam ultrapassar, a visão que Soares apresentava, nomeadamente sobre o papel dos militares na Democracia, estava mais conforme com o meu entendimento das coisas.
Mas não esqueço Francisco Salgado Zenha, o "Chico" Zenha da minha juventude, nem o que lhe conheci de carácter, de ombridade ou coerência. Ou de defesa dos Valores Democráticos.
E nunca esqueci - repito-as com frequência - duas suas estórias. A primeira sobre Sines: "Devíamos continuar, já lá gastamos muito dinheiro.", avisavam os tecnocratas da altura. "É por isso mesmo: por já lá termos gasto muito dinheiro que não gastaremos lá mais nenhum.". Ficou-me a lição que me serviu em diversas decisões: o jágorismo não é forma de gerir. A outra: estava Zenha numa entrevista televisiva quando o jornalista lhe perguntou qualquer coisa sem ponta de interesse. Sem qualquer hesitação Zenha respondeu, falando sobre um outro tema, politicamente relevante e que nada tinha a ver com a pergunta. "Mas não foi isso que lhe perguntei" disse, atónito, o jornalista. E Zenha, olímpico:" Pois não, mas foi o que lhe quis responder."

domingo, 14 de abril de 2013

Mal ao mundo

Leio, ouço e não acredito: fecham a Fundação e as obras de Paula Rego desaparecem da Casa das Histórias - projecto de Souto Moura - de Cascais e voltam para Londres.

Pelo que percebo trata-se do resultado de pretendida análise à Fundação que suportava as obras. Obviamente de contas mal feitas - há mais valor para além do dinheiro e a relação custo-benefício não se mede à moeda.

Volto ao mesmo e às lições de Cipolla: a estupidez é um perigo maior do que a bandidagem!

Os quadros de Paula Rego - dispenso-me, pela evidência, de falar do seu valor cultural - desaparecem de Portugal e do nosso acesso por decisões cegas e levianas e disso parece não vir mal ao mundo. Ou que ninguém se importa.

Claro que daí vem mal ao mundo, ao nosso mundo que se vê com horizontes mais fechados. E eu importo-me!



Desenho a dedo iPad

sábado, 2 de março de 2013

Para alemães desmemoriados

Fez, a 27 de Fevereiro último, 60 anos o Acordo de Londres sobre as Dívidas Alemãs. Aos alemães, em 1953, foi-lhes perdoado 50% da dívida e realizado um reascalonamento do restante para 30 anos. Entre os que aceitaram perdoar a dívida estava a Espanha, a Grécia e a Irlanda.

Tal e qual como no velho conceito do cá se fazem, cá se pagam...

domingo, 18 de novembro de 2012

O que a História sabe

Desenho em iPhone sobre fotografia

Diálogo entre Colbert e Mazarino durante o reinado de Luís XIV, na peça teatral Le Diable Rouge, de Antoine Rault:

Colbert: - Para arranjar dinheiro, há um momento em que enganar o contribuinte já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço...

Mazarino: - Um simples mortal, claro, quando está coberto de dívidas, vai parar à prisão. Mas o Estado... é diferente!!! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se... Todos os Estados o fazem!

Colbert: - Ah, sim? Mas como faremos isso, se já criámos todos os impostos imagináveis?

Mazarino: - Criando outros.

Colbert: - Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres.

Mazarino: - Sim, é impossível.

Colbert: - E sobre os ricos?

Mazarino: - Os ricos também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta faz viver centenas de pobres.

Colbert: - Então como faremos?

Mazarino: - Colbert! Tu pensas como um queijo, um penico de doente! Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer, e temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos. Formam um reservatório inesgotável. É a classe média!

quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A História com memória

O rebuscar displicente do sr. João Duque do salazarento "A Bem da Nação", incomodou-me. Menos talvez do que a votação idiota de melhor português, mas incomodou. Pior, irritou-me o ar doutoral da ignorância da História transformada em brejeira e descontextualizada provocação. E reciei, como ainda receio, a sequência no desplante de "tudo pela Nação, nada contra a Nação."

Valeu-me, no mesmo sítio - SIC - e logo de seguida a tê-lo visto, ligeiro, a analisar as dificuldades dos outros neste país de fossos abissais entre uns e outros, ter assistido à entrevista de Mário Soares. Um filme da história, uma lição de convicções, um cofre de memórias. Uma lição de republicanismo, de democracia, de valores humanistas e de direito democrático. De socialismo democrático. Aqui sim, a História na sua grandeza: republicana, laica e socialista.

Com a entrevista por fundo revisitei momentos inesquecíveis da participação que tive no MASP da sua primeira campanha presidencial e que o tornou no primeiro Presidente da Républica civil depois do 25 de Abril. Lembro-me, no dia da sua tomada de posse e ao vê-lo, das escadas de S.Bento, despreocupado do "passo certo" enquanto passava revista às tropas, de ter pensado: nunca mais teremos um Presidente militar. Era o princípio de uma outra República.

domingo, 8 de maio de 2011

Para Finlandês aprender

Geração CCascais

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Lembranças dos Cravos

Na segunda-feira passada coloquei um post que falava do 25 de Abril de há 37 anos - escrevi sobre o que me lembrava. À procura de fotografias - queria encontrar uma que tirei ao Zeca em A Barraca durante os ensaios do Zé do Telhado - acabei por encontrar este texto sobre o 25 de Abril (falando do mesmo mas de forma mais completa) que escrevi para oferecer aos meus amigos no 25º aniversário da Revolução. Porque trata da memória de uma semana épica - no final da qual a certeza que não havia volta atrás começava a ganhar dimensão real - achei que podia colocá-la no fecho de uma memória inesquecível, trinta e sete anos depois. Aqui fica, como então a escrevi. 

Lembranças dos Cravos

O telefone tocou às 4 da manhã. Por sorte nem sequer tive pensamentos de susto do tipo morreu alguém! Pensei de imediato que só podia ser o Dário , grosso em qualquer barra de balcão, a lembrar-se dos meus anos (a minha Mãe jura que nasci precisamente a essa hora). Não era, era a Maria João com o habitual sossego na voz:

— É agora. Ou vai ou racha. Liga o Rádio Clube Português. São de que lado? perguntei, a pensar no 16 de Março e com medo do medo dos acossados:

— Dos nossos, sossegou-me. Liga o Rádio Clube. Passa palavra.

Passei. Liguei ao meu Pai, ao Dário, ao Xico Sequeira , a quem me lembrei. E liguei o rádio e a televisão e fiquei à escuta as horas que foram precisas para ouvir: aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas, etc. e tal. A coisa compunha-se e percebia-se que eram contra. Do reviralho, pensei lembrando-me como considerávamos, a Graça e eu nos tempos de Soutelo, o Salgado Zenha — um gajo do reviralho.

À hora do costume a Fátima queria sair com o Raul, levá-lo para a creche e seguir para o trabalho. Não foi fácil convencê-la que havia uma revolução na rua e que as faltas injustificadas — era esse o medo de funcionária — não iriam acontecer nunca. Aqui, próximo do Jardim das Amoreiras, neste quarteirão interior a tudo não se passava nada. O senhor Costa tinha aberto como de costume e não fazia a mínima ideia do que pudesse estar a acontecer. Quinhentos metros acima, na Sampaio Pina , viam-se soldados armados. Na Artilharia Um, no passeio central a ver o fundo da rua que do muro do Hospital ou da Manutenção não viria grande mal ao mundo, três ou quatro soldados vigiavam (de metralhadora?).

Em casa a televisão começou a dar, havia mais telefonemas. O Xico apareceu a dizer que ia para o Carmo — tinha ouvido estar lá o Marcelo e os outros. Que sim, que fosse, que o procuraria mais tarde porque iria tentar saber o estado das coisas. Devo ter tentado mais alguns telefonemas e segui até ao Carmo: quase que juro ter ouvido a saraivada que marcou o muro do quartel, embora a remembrança distante já não distinga, com exactidão, o presenciado do ouvido. Mas aposto que nos encontramos — o Dario, o Salvador, o Calixto , o Xico, talvez o Pedro , eventualmente o Samuel — na tasca do galego para beber o branco do costume mas de forma pouco habitual. Rija festa de anos!

Na manhã seguinte, terá sido?, passei na Multiplano . Ainda eram tempos de expectativa. De muita expectativa — e as colónias? e a independência? e os partidos? e os presos políticos? que pensava o MFA de tudo isso? E o emproado do monóculo?

1º de Maio (1978?)
Decidimos ir para Caxias. Era já um ror de gente. Uns — aqueles que ao longo de anos se tinham treinado nisso — gesticulavam à vista, longínqua, das janelas das celas. Enviavam mensagens, avisavam do que se passava e faziam-se entender. Durante horas iam e vinham as mais diversas informações: que iam já sair! que não, que só sairiam aqueles que não-sei-o-quê! que nem pensar, que ou todos ou nenhuns! como se alguém tivesse formado um enorme cordão de passa palavra. E, mais perto ou mais longe do portão, sabia-se o mesmo. Aguentar era a palavra de ordem. Tenho uma vaga lembrança de só de lá ter saído de noite à boleia não sei de quem e depois da libertação dos presos políticos. Se calhar cruzei-me, sem saber, com os pides a caminho da troca. Estava frio e só tinha uma camisa vestida.

O tempo já não tinha a mesma dimensão dos dias que tinha conhecido. Era tanto e tão rápido que cada dia tinha centenas de horas ou a semana centenas de dias. Entre aqui e ali, mais televisão, mais rádio, mais jornais, mais conversa, mais discussão, os momentos passavam à velocidade do pensamento. Estávamos a fazer uma Revolução! Com cravos, quase sem tiros, quase — que espantoso — sem gente do outro lado. Era tudo do contra nas ruas daquele tempo cheias de gente.

1º de Maio (1978?) - Cinema Império
Em todo o lado havia gente, muita gente, gente já sem medo. O país inteiro, como se mais nada houvesse a fazer, armou-se de uma missão: mudar o suficiente para que o tempo não voltasse atrás.

Ia-se aqui, ia-se ali, onde estivesse a acontecer o que quer que fosse. Era uma correria à procura de tudo que se passava ao mesmo tempo. Com o Pedro Lencastre e à custa do seu conhecimento dum fuzileiro, entrámos — já depois da rendição dos pides — no “perímetro de segurança” da António Maria Cardoso onde vi — lembro-me sempre com espanto — um “especialista” puxar de um corta-unhas e, com a lima e gesto simples, abrir as portas de um suspeito Porsche para encontrar um manancial de matracas, boxes e quejandos.

Das memórias abre-se uma branca: não tenho a mínima ideia de comer ou de onde o tenha feito — vivíamos da sande com certeza. E das cervejas e do branco do galego. Mas não havia tempo para parar, ele era o Soares e o Cunhal a chegarem, a malta de Paris ainda desconfiada, era a televisão a dar de tudo, os da Junta a dizerem ao que estavam, os “capitães” a dizerem do deles, o Posto de Comando a pedir para ficarmos em casa e a malta moita! rua com ela numa anarqueirada louca, linda de morrer, naquela forma de ser, por dias, poder absoluto à moda de cada um.

Ia jogar em Praga, pela selecção portuguesa de rugby, a 27, contra a Checoslováquia. Deixaram-me recado em casa a dizer que não compareceríamos ao jogo porque o aeroporto estava fechado. Nem me preocupei mas ainda guardo a camisola.

A 30 de Abril não me levantei mais, fiquei de cama — paga do peitinho feito a correr pela cidade — com um febrão dos antigos.

Vi o Primeiro de Maio pela televisão com olhos remelentos de febre. Vi aquela gente toda a levar horas a passar e, então, percebi: já nada fará isto voltar atrás.

Hoje, vinte e cinco anos de memória traiçoeira que armadilhou a lembrança ao colocar-nos em todo o lado ao mesmo tempo, há apenas, dessa altura, uma certeza que tenho: que a brasa daqueles anos, aquele tudo viver num só instante, já ninguém me tirará.

De hoje, dos nossos dias, tenho outra: o sentimento de que no meu país as condições e qualidade de vida são inegavelmente muito melhores do que alguma vez foram.

Lisboa, 25 de Abril de 1999

quarta-feira, 23 de março de 2011

Cepixeleçe

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Nigger

A última edição americana do excelente Huckleberry Finn de Mark Twain, numa condenável manifestação de censura, substitui, por 219 vezes, a palavra nigger – racista, ofensiva e depreciativa - pela mais suave e reconhecida slave. Assim, ao que justificam, o livro poderá escapar à prevenção escolar – essa forma moralista de também censura.

A atitude de substituição é estúpida, as razões da sua substituição são estúpidas mas o resultado tende à vigarice – retira-se o benefício de saber como se enquadravam os negros no sul americano mas vende-se mais. Cipolla tem sempre os quadrantes cheios…

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Vítor Alves (1935/2011)

Conheci o Vítor Alves, “capitão de Abril” e homem fundamental na implantação da Liberdade e da Democracia em Portugal, algum tempo depois do 25 de Abril. Sempre nos demos bem – nada difícil com ele. E, volta não volta, num encontro ou outro trocávamos impressões sobre o andar das coisas. Um dia, no meio da rua, cruzámo-nos e parámos à conversa. Disse-me que ia para a última reunião do Conselho da Revolução. Lembrei-lhe então se não haveria forma de acabarem com a obrigatoriedade da “licença militar” – essa forma de dependência absurda – para saídas ao estrangeiro. “Ainda bem que lembras”, disse “de facto isso anda esquecido. Vou falar nele.”. Dias depois, no Procópio julgo, diz-me: “Já está! Assunto arrumado!”. Um abraço Vítor.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

De então para cá

Conhecer a História tem a enorme vantagem de se poder saber como chegámos até aqui, até hoje e que caminho percorremos para o conseguir.

E assim também nos permite conhecer erros cometidos, as suas causas e consequências – fornecendo-nos dados, ferramentas, armas, capacidades, controlos, e mais tudo aquilo que a inteligência e a cultura possam retirar dessas lições para que saibamos não repetir os mesmos erros.

Em 1926, depois de ter liderado o pronunciamento militar de 28 de Maio, o golpista e general Gomes da Costa, lançou:

“O meu propósito é ir contra a ação nefasta de todos os políticos e dos partidos e de pôr fim a uma ditadura de políticos irresponsáveis”
Sabemos, apesar do pronunciador-chefe ter sido em pouco tempo exilado para os Açores, o que se seguiu: 48 anos de repressão e de atraso de que só o 25 de Abril nos libertou.

Nestas alturas em que aqueles a quem entregamos a responsabilidade têm como única preocupação o tacticismo do seu próprio interesse, seria bom que conhecessem e reflectissem sobre a nossa História recente. Para evitarem – como é seu dever – que a História se repita – não na forma, mas nas consequências.

No seu blogue “duas ou três coisas”, Francisco Seixas da Costa – embaixador, antigo governante e meu amigo – avisa e propõe:

“Os tempos estão tensos, as pessoas tendem a radicalizar posições, os antagonismos podem aumentar. É nestas alturas que temos de ser mais vigilantes sobre nós mesmos, em que devemos parar para pensar, para decidir, para optar. É nos tempos difíceis que se mede a serenidade de um país, a sua maturidade como nação. Temos quase nove séculos, passámos por crises muito mais graves e, com esforço, fomos capazes de as superar. Este é talvez um dos momentos em que se pode aplicar a frase de John Kennedy: "não perguntes o que o teu país pode fazer por ti, pergunta o que tu podes fazer pelo teu país".”
É obrigação de quem foi eleito para qualquer poder – deputados, autarcas, Presidente da República – ou responsabilidade, garantir que a situação não se transforma em puro e simples abuso dos mais fracos, dos excluídos ou desprotegidos.

Hoje, a forma usada por Gomes da Costa para derrubar o poder democrático não será tão directa como então. Contudo e embora mais sofisticada, menos visível e mais insidiosa, não deixará de pôr em causa a nossa Liberdade, o nosso Estado social, o nosso direito comum, a nossa cidadania.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A Frase

"ESTAMOS BIEN EN EL REFUGIO, LOS 33"
Luis Urzúa, Don Lucho, no primeiro contacto depois de 17 dias de pouca esperança

O exemplo do essencial: situação, localização, reforço da situação. Sem mais. Um atestado da capacidade de liderança que levaria à ultrapassagem de 69 dias de calor, de humidade, de escuridão, de fome e sede, numa prisão a 700 metros de profundidade .

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Bernardinho campeão

O objectivo é claro:
TRANSFORMAR SUOR EM OURO
A estratégia resume-a a uma fórmula simples:
TRABALHO+TALENTO=SUCESSO
e com estas duas "ferramentas" sempre presentes Bernardo Rezende, o Bernardinho, é, de novo e com o seu Brasil, Campeão do Mundo de Voleibol.

Tem um livro - o da imagem que me ofereceu com amiga dedicatória - que vale a pena ler, pelo lado do desporto e pelo lado da empresa. Trata do que nos preocupa: como formar equipas vencedoras. No desporto e na empresa.

Não sei se haverá alguém que tenha conquistado tantos títulos tão importantes como o Bernardinho: olímpicos, mundiais e continentais - alguns por mais de uma vez. Para além das suas qualidades humanas - criou o Instituto Compartilhar que tem como Missão o desenvolvimento humano através do desporto tendo como objectivo actuar junto das camadas mais desfavorecidas, favorecer a igualdade de oportunidades e promover a protecção da infância e adolescência - é notável o espírito de conquista que, apesar das inúmeras vitórias, este economista de formação ainda mantém intacto (e sedento...).

Ter a companhia do Bernardinho é sempre um enorme prazer  a que se acrescenta uma sempre renovada fonte de conhecimentos e de novas abordagens. Com ele - por parodoxal que pareça entendo o ataque do vólei próximo do ataque do rugby - passamos finais de jantares a mexer copos e a trocar ideias sobre novas jogadas. Ainda agora, via TV, notei no Mundial uma combinação capaz de surpreender defesas. Vai ser engraçado testá-la.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Paulo-Guilherme

Se não sabes, pergunta.
Se não te respondem, procura.
Se não encontrares, inventa.
Vais ver que descobres...


Quando o conheci perguntei-lhe se ele era o menino preguiçoso do livro do seu pai*. Disse-me que sim - achei graça porque o tinha lido na escola primária. Foi na altura de uma palestra sua sobre a paixão do dito Poliptico de S. Vicente de Fora. Já então tinha lido o seu livro "...o segredo, o poder e a chave", um tratado pleno de relações matemáticas e proporções geométricas. Absolutamente genial. Logo no propósito: um manual de instruções para a leitura da Batalha e dos seus segredos - e da descoberta do tesouro dos templários que aí colocava porque Como diria o Senhor de La Palisse/ se o tesouro dos Templários/ não se encontrou/ em parte alguma/deve continuar a estar/ em qualquer parte. As tábuas em dois tripticos - a janela gótica a desenhar-se no capacete de um guerreiro. Lá em cima, Afonso Domingues, o arquitecto cego - já viram aqueles olhos?... - com a sacola de desenhos e a cofragem de madeira. O livro é belíssimo e cheio de geometrias notáveis, a ideia excelente - pouco importando se resulta verdadeira ou não.

Repito: genial! Que o procurem e leiam.

Também o seu O Dilúvio de Quéops notável.

Faleceu sábado passado. Tenho muita pena e sinto-o profundamente. Gostava da inteligência da sua cultura e criatividade.

* História de Portugal para meninos preguiçosos, Olavo D'Eça Leal com ilustrações de Manuel Lapa

Paulo-Guilherme D'Eça Leal (1932-2010), gráfico, pintor, designer, ilustrador, escritor, cenarista, arquitecto, fotografo, poeta e o que mais a criatividade permitisse.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

VIVÁ REPÚBLICA!



Hoje comemorámos o Centenário da República (5-10-1910/2010) cujos ideais consolidam a primazia do cidadão sobre o súbdito e do direito sobre o privilégio.

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