sexta-feira, 21 de agosto de 2020

COMPORTO-ME COMO UM INGÉNUO

Não sei quem é o autor@ mas é excelente! Agradeço a possibilidade de a utilizar
A pandemia é de facto um problema. E quanto maior a idade, pior...
...mas não é uma questão apenas da infecção pelo vírus — porque aí os cuidados estão definidos e as precauções são tomadas — mas sim por tudo aquilo que se tem que ouvir saído da boca dos que se pensam importantes.
Primeiro foi aquela estória de que a obrigatoriedade do uso das máscaras representava uma violação dos direitos de liberdade de cada um. Até a Constituição veio à baila... Ou, de forma mais romântico mas igualmente imbecil, considerar que a recusa da sua utilização é um acto de saudável rebeldia... Ou aquele linguajar de determinado mas de gargalhada na geral: Exijo ser eu a estabelecer os riscos que quero correr!
Claro, todo o direito a não usar máscara como a não usar cinto de segurança, capacete para mota ou bicicleta — pelo que (em teoria) são multados — ou recomendações como joelheiras para crianças que andam de patins, etc. etc. São uns idiotas chapados com a mania que são inteligentes — mas somos todos nós, a sociedade em geral, que lhes paga, no pós-acidente, os "concertos" no Serviço Nacional de Saúde. E aqui já não existe qualquer preocupação com a responsabilidade que implica a Liberdade. E do alto da sua ignorância nem tão pouco sabem do aviso de mais de 4 séculos de Luís de Camões:“Cesse tudo o que a Musa antiga canta/ Que outro valor mais alto se alevanta”.
Também temos que aturar os despropositados anti-vacinas que contam as maiores vigarices com linguagem indecifrável para parecer científico.
Também nunca percebi (parece que já se aperceberam do erro...) porque insistiam no facto de o uso das máscaras "servir para proteger os outros". E, portanto, não a nós que as usamos. Que raio de ideia comunicativa: com ela os inatingíveis dos jovens— com a idade entre 20 e 29 anos foram infectados até hoje 8515, enquanto que, entre os 70 e 79 anos e com menos 100 mil habitantes, apenas foram infectados 3787 ... — pensam com toda a sua pretensão: eu não tenho sintomas, não vou pegar a ninguém, não preciso de usar máscara. Claro... e com a água benta que a presunção lhes dá, nem percebem que são eles, os jovens, uns dos maiores transmissores de infecção. Usar máscara, essa chatice, para quê? E assim nós, os de maior risco e que temos de nos proteger, cruzamos a cada momento e num risco incontrolável, com caras destapadas que as nossas máscaras não protegem...
Mas também surgem responsáveis com obrigações públicas que utilizam, dando-se ares de altos conhecedores, fraseados para confundir. Não há evidências de que os transportes públicos ampliem a propagação, dizem do alto da sua importância. Evidências há, porque para quem os frequenta é evidente que todo aquele acumulado de gentes, alguns sem máscaras outros tirando-as para tossir ou espirrar, representam um enorme risco de eventual contágio. O que pode é não haver, usando a expressão que sempre utilizei ou ouvi dizer desde sempre, prova de que assim é. Mas é tal a evidência que devem ser realizadas, de imediato, acções que minorem os riscos ou que nos confortem a desconfiança. Procurando as provas que imponham comportamentos.
Outro alto funcionário da saúde pública colocou a alta densidade urbana como enorme causadora da propagação da pandemia a que acrescentou que se as condições sócio-económicas fossem baixas ou más, então seria muito pior.  Ignorância absoluta com a marca da visão aldeã salazarista que a pretendia como a verdadeira qualidade de vida. É verdade que as más condições sócio-económicas das populações, a vida de muitos em pequenos espaços, as dificuldades higiénicas, a vida abaixo dos níveis civilizacionais aceitáveis são situações que propagam infecções, pandemias ou seja o que fôr que se possa infectar. Mas a Alta Densidade nada tem a ver com isso — a alta densidade não se define por espaços sem qualidade urbana e higiénica! E a Alta Densidade possibilita que a nossa vida seja de melhor qualidade, com maiores acessos a bens e serviços e com uma melhor distribuição dos elementos que constituem a vida urbana. A própria Nações Unidas publicou há tempos um livro com o título "Alta Densidade, a sustentabilidade das cidades" e não faltam artigos que o demonstrem.
Mas nestes tempo parece valer todo o tipo de demagogias, farolices ou aldrabices — que não deixámos de ouvir porque ouvimos muita televisão — ditas por bem-falantes, engravatados de camisa aberta a fazerem-se modernaços ou tipos que não querem deixar de fugir a oportunidade dos minutos de fama que ouviram ter Wharol ensinado.
Sou de uma ingenuidade absoluta a julgar que o bem-comum é o objectivo de cada um...
... quando ouvi dizer que a Taça dos Campeões Europeus se iria disputar em Lisboa — sem público, não percebi a vantagem e menos ainda a importância da cerimónia celebrativa — pensei que iríamos ter a vantagem de poder ver todos os jogos num canal de sinal aberto. Assim, percebia o sentido da prenda, não só para médicos como anunciado, mas também para a população em geral uma vez que ambos, até então se tinham portado à altura (os médicos da 1ª linha ainda continuam).
Afinal, os jogos tanto podiam ser cá como na Conchichina. Porque só os podemos ver através de canal que exige pagamento de assinatura para o seu acesso. Ou seja, da mesma maneira que se vê a outra taça europeia que está a ser disputada na Alemanha... e eu a julgar que...
... então para que trouxeram a fase final da Taça dos Campeões Europeus para cá? Para Portugal, para Lisboa? Por pura demagogia ou para servirem os interesses de alguém?
Pago, bufo pouco e vejo...
... comporto-me como um ingénuo.

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

O PASSEIO DA RUA DA ESCOLA POLITÉCNICA

ANÁLISE DA PROPOSTA CAMARÁRIA DE AUMENTO DA LARGURA DO PASSEIO NO TROÇO DA RUA DA ESCOLA POLITÉCNICA ENTRE O LARGO DE S. MAMEDE E O LARGO DO RATO          
"A city sidewalk by itself is nothing. It is an abstraction. It means something only in conjunction with the buildings... that border it." Jane Jacobs in The  Death and Life of Great American Cities
1. EXIGÊNCIAS DE UM PASSEIO URBANO PEDONAL
Um passeio de peões urbano destina-se a ligar necessidades — casa/trabalho, comutação transporte/destino, acessos de proximidade — ou a passear, podendo ainda ser utilizado como espaço de prática de actividade física moderada para muitos jovens ou idosos. O passeio urbano pedonal deve, assim, garantir, no mínimo, três condições:
  1. ATRACTIVIDADE - existência de elementos que tornem o percurso agradável, interessante, informativo e interactivo, como diversidade de comércio, vistas panorâmicas ou patrimoniais, finais de percurso significantes, bem como possibilidades diversas e flexíveis, pelo número de intersecções de ruas, de variedades de percurso ou itinerários. O índice de montras de rua e o índice de serviços de proximidade são instrumentos fundamentais para a determinação da sua qualidade e do seu sucesso. Ou seja, o desenho urbano das diversas componentes é o factor fundamental para o sucesso da sua utilização;
  2. CONFORTO - para que a sua utilização se possa fazer sem demasiado dispêndio de energia e com a garantia de que, qualquer que seja a idade ou capacidade física ou móvel do utilizador, se trata de um lugar agradável de andar, permitindo o recurso a carrinhos de bebés, uso de cadeiras de rodas ou de qualquer tipo de apoios. Neste campo, a qualidade e adequabilidade do piso — não escorregadio, fixo, limpo e com a necessária capacidade de drenagem — constitui um factor decisivo. Devem também ser previstos assentos e sombreamento ao longo dos percursos.
  3. SEGURANÇA - espaço de manobra — largura — suficiente para para que os seus utentes possam movimentar-se ou estacionar sem preocupações e que existam os resguardos necessários à protecção de potenciais perigos acidentais ou voluntários. O número de utilizadores, nomeadamente vizinhos, tornando-se os olhos na rua (Jane Jacobs), são elementos que contribuem para o aumento da segurança dos percursos.
Alargamento proposto do passeio do lado nascente da Rua da Escola Politécnica
2. A PROPOSTA MUNICIPAL
A proposta municipal de intervenção entre o Largo de S.Mamede e o Largo do Rato, pretende alargar o passeio nascente da rua no que se afigura ter por principal justificação a manutenção da localização dos actuais carris dos eléctricos para além de uma eventual menor justificação no facto de se tratar do passeio mais próximo da entrada do Metro localizada junto da Rua do Salitre, evitando assim uma outra travessia semaforizada. 
No entanto esta proposta municipal caracteriza-se por diversas situações negativas:
  1. A sua saída directa — pela Rua do Salitre — é estreita e não adequada ao movimento que a proposta de alargamento deste passeio pressupõe;
  2. A proximidade do acesso ao Metro não constitui uma vantagem uma vez que não existe um percurso determinante — já não há estudantes na antiga Faculdade de Ciências — neste passeio nascente onde o índice de montras de rua só existe no pequeno intervalo Largo S. Mamede/início do muro da “Faculdade de Ciências”;
  3. Esta solução proposta, para além da única vantagem de manutenção dos actuais carris dos eléctricos, apenas cumpre, pelo alargamento do passeio, a necessidade de uma mobilidade com poucas restrições.
  4. A colocação deste passeio do lado da Procuradoria-Geral da República, encostado ao muro cego e sem qualquer atractividade — não tem montras, não tem serviços, não tem vistas… — a que se junta, pela sua tonalidade, a reflexão e calor dos raios solares que aumentarão, nas horas de maior calor diário — como se pode verificar nos gráficos que se apresentam a temperatura incidente sobre os transeuntes, tornando o percurso muito desconfortável e pouco convidativo. Pela qualidade de Imóvel de Interesse Público do edifício da Procuradoria, será desajustada qualquer possibilidade de intervenção de sombreamento do passeio.
Gráficos da direcção dos raios solares e seus ângulos de incidência                                                     (pode verificar-se o movimento solar durante o dia)
3. PERGUNTA CENTRAL
Não sendo, como se verifica pela agressividade que coloca nos seus utentes, uma solução à medida dos conceitos que devem nortear as intervenções de mobilidade suave e ao não representar uma qualquer melhoria de bem estar ou de qualidade de vida local, esta proposta municipal deve ser abandonada.
Coloca-se assim a questão central para uma tomada de decisão:
Deve o abandono desta solução, que prima pelo desconforto e subordinação economicista, correponder, pura e simplesmente, a uma desistência e ao abandono de qualquer intervenção na área ou, partindo da ideia de proporcionar um passeio mais largo, pode colocar-se uma outra hipótese que melhore as condições do local? 
4. UMA VISÃO DO LOCAL
O quadrilátero Largo do Rato, Rua da Escola Politécnica, Rua da Imprensa Nacional, Rua de São Bento é constituído por uma grelha viária — que tem continuidade praticamente até ao Tejo — de dimensão pedonal e com intersecções suficientes para possibilitar a existência de uma boa base de unidades de vizinhança. Neste quadro pode haver uma intervenção mais concordante com os conceitos que se defendem para a cidade e seus utentes.


5. UMA PROPOSTA DE INTERVENÇÃO
A plataforma superior do Largo do Rato e da Escola Politécnica, com o pouco declive da Rua de S.Bento sugere, caso se pretenda manter a ideia de alargamento do passeio na ligação dos largos do Rato, S. Mamede, uma intervenção que possa articular as relações de curta distância entre os diferentes espaços da zona.
Assim, propõe-se a realização do alargamento do passeio poente da Rua da Escola Politécnica, que responderá às exigências de atractividade e, pela sombra que proporciona na maior parte do dia, de conforto permitindo ainda, pela obra de mudança dos actuais carris a que obrigará, colocar os elementos necessários à garantia de segurança. A esta intervenção poderia acrescentar-se a realização de novos percursos pedonais que equilibrarão a malha urbana existente e os seus pontos de intersecção.
Mapa com as intersecções da malha urbana e com a proposta de novos percursos
Articulação dos recursos pedonais no Largo do Rato

6. CONCLUSÃO
As intervenções na Cidade existente, por melhores que sejam as suas intenções, têm de ser realizadas de acordo com os princípios que se reconhecem como benéficos para a melhoria da qualidade de vida dos utentes e da sua organização urbana. O facto de se tratar de uma pretendida intervenção no sector da mobilidade suave não é, em si, um valor urbano. Qualquer intervenção na Cidade deve ser analisada de acordo com as causas de que parte e com as consequências que provoca. As modas, porque passageiras, não são determinantes. A visão estratégica, sim.
E a estratégia deve ter como pano de fundo uma cidade mais agradável, mais integradora e inclusiva, mais coesa, mais proporcionadora de empregos e habitabilidade. Mais inclusiva, mais diversa e com um desenho urbano adequado a todos, independentemente da idade e da condição social e física. Uma estratégia que desenvolva o sentimento de pertença numa perspectiva de desenvolvimento sustentável.

Lisboa, Julho de 2020

[Nota: Texto enviado ao Presidente da Junta de Freguesia de Stº António (a minha freguesia), dr. Vasco Morgado]

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