Antigo atelier de João Braula Reis na Rua Visconde da Luz, nº 13, Cascais |
Texto lido na sede da Ordem dos Arquitectos em 23 de Abril de 2024 num encontro “As Brigadas de Abril” de homenagem a Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas e em que lembrei João Braula Reis, nosso colega e que emprestou o seu atelier de Cascais para o plenário de 5 de Março de 1974 em que participaram cerca de 200 militares representantes do então Movimento dos Capitães. A lembrança representa a nossa justa homenagem a um arquitecto, também ele contribuiu para o 25 de Abril de 1974.
Nesta conversa sobre “As Brigadas de Abril” que servirá para homenagear Nuno Teotónio Pereira e Nuno Portas, gostaria de lembrar um outro arquitecto que tem uma história relacionada com o início da revolução que nos trouxe até aqui.
Co-autor com Nuno Teotónio Pereira do Franginhas e porque aí existia a única empresa lisboeta — a Sinase— que alugava espaços para reuniões, foi por muito pouco que não viram realizar-se no seu edifício uma das mais importantes e decisivas reuniões do Movimento dos Capitães. Tudo estava preparado com as regras de segurança necessárias a uma reunião clandestina, com os participantes espalhados por 18 cafés e pastelarias da cidade de Lisboa e prontos, naquele dia 5 de Março de 1974, para, à hora conveniente, se dirigirem ao edifício da esquina Braancamp/Castilho. Mas algo fez desconfiar os responsáveis Vasco Lourenço e Otelo Saraiva de Carvalho que, reorganizando as tropas, decidiram ir reunir-se para outras paragens.
O recurso foi o Major de Engenharia Sanches Osório que, em paredes-meias do Estado-Maior, mantinha a amizade com o seu antigo capelão do Colégio Militar, Padre Braula Reis, Tenente-Coronel Graduado. Conversa sobre salão paroquial daqui e dali e a lembrança surgiu: o irmão, o arquitecto João Braula Reis, tinha um atelier em Cascais. Feito! E, num instante, a palavra passou: atelier do arquitecto Braula Reis no número 13 da Visconde da Luz em Cascais!
Foram cerca de 200, representando uns outros 600, que chegaram ao 1º andar do atelier. E enquanto uns tinham receio que o piso, com tanta gente, abatesse, outros, como Vasco Lourenço, Vítor Alves e Nuno Pinto Soares, subiam para os estiradores para dizerem ao que estavam ali. E se nem tudo correu da melhor forma, ouvindo-se por tudo quanto era lado a enorme vozearia por discordâncias de pormenores (embora a palavra independência fosse um pormaior…), os objectivos, neste plenário de 5 de Março de 1974 que, segundo Vasco Lourenço, terá definido o avançar para o derrube da ditadura, foram atingidos com a aprovação de três posições fundamentais como foram as decisões de derrube do regime por acção da força, de elaboração de um programa político, delegando em Melo Antunes a responsabilidade da sua elaboração para que definisse as linhas futuras com base no texto “O Movimento, as Forças Armadas e a Nação” então aprovado pela assinatura, em papel selado, de 111 dos presentes e ainda, que fossem escolhidos, desde que aceitassem o futuro Programa do Movimento das Forças Armadas, Costa Gomes e Spínola para futuros Chefes.
Dias depois as consequências ressaltaram: 4 capitães foram compulsivamente transferidos — 2 para os Açores, 1 para a Madeira e outro para Bragança. Mas, apesar dos avisos e dos riscos, o Movimento mostrava-se imparável.
O nosso colega arquitecto João Braula Reis, ao permitir a utilização do seu atelier para o plenário de 5 de Março de 1974 do Movimento dos Capitães, sabia bem os riscos que poderia correr — o seu parceiro Nuno Teotónio Pereira continuava preso em Caxias… — e cabe a nós, neste momento de Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, lembrar, com o devido agradecimento e homenagem, a abertura de portas que permitiu a passagem do Movimento de Capitães para o agregador Movimento das Forças Armadas, o MFA, que, possibilitando a enorme vitória do 25 de Abril, acabou também por abrir, para todos nós, as portas da Liberdade e da Democracia em que hoje vivemos. Obrigado caríssimo colega, João Braula Reis! A sua memória está connosco e estamos-lhe gratos pela sua visão e coragem!
Lembrá-lo nestes 50 anos, nesta casa e neste Auditório Nuno Teotónio Pereira, é um acto de justiça.