Tenho mais de 65 anos e sou, por muito que tenhamos a mania de achar que é "feio" dizê-lo, velho. Mas não necessáriamente trapo. E sou velho com experiência suficiente para compreender muitas coisas da vida e, pelo menos, saber sobre algumas outras.
Ouvi dizer das prioridades e fui ler: um embuste para nós, os velhos. Porque não chega ser velho, é preciso ser alquebrado quase a não se poder sair de casa para ter prioridade. É preciso ser idoso que, de acordo com a alínea b) do Artigo 3º do Decreto-Lei nº58/2016 de 29 de Agosto de 2016 assim se define: "«Pessoa idosa», a que tenha idade igual ou superior a 65 anos e apresente evidente alteração ou limitação das funções físicas ou mentais".
Explicou a senhora Secretária de Estado para a Inclusão, Ana Sofia Antunes, que:"não basta que a pessoa comprove que tem 65 ou mais anos. Nesse caso, tem que ter uma incapacidade física ou mental visível, portanto, inquestionável ao comum dos cidadãos". Ou leio mal ou não passa de uma redundância para atirar com areia para os nossos olhos para fazer de conta que existem grandes preocupações humanitárias - o decreto-lei das "prioridades" garante a qualquer deficiente físico ou mental a prioridade desejada - embora devendo ser portador de atestado que garanta os 60% de incapacidade como recomenda fonte oficial do ministério responsável. O que significa que os velhos deficientes ou incapazes estão aí incluídos! Então para quê o articulado para os "idosos"? Para óbvia conversa da treta no habitual faz-de-conta de preocupações que verdadeiramente não existem - e nem cito as justificações, por pertencerem ao domínio da estupidez, da referida senhora Secretária de Estado. Como se não bastasse a idade para criar dificuldades em situações de longa permanência em pé... são precisas evidências?! A não ser que se deva agradecer o bónus da evidência por troca com a exigência do papel demonstrativo.
Com esta regulamentação, feita apenas com a preocupação de dar nas vistas - propaganda, diz-se - vamos dar-nos mal e o aumento da conflitualidade nos tempos perdidos das filas de espera parece ser a única garantia que teremos.
Estive no Rio de Janeiro durante os Jogos Olímpicos e fui - agradavelmente - surpreendido por uma norma que considera "preferencial" toda e qualquer pessoa com mais de 60 anos sem mais qualquer outra classificação. Preferenciais no direito a lugar sentado no metro - tem uma carruagem azul onde a prioridade é absoluta ("menino, deixa o senhor sentar!" disse a senhora para um jovem. Que agradecia mas não precisava porque sairia duas estações à frente, respondi. Que não, "que tem que se habituar a respeitar", respondeu e lá me sentei no lugar que o jovem disponibilizou). Também nos postos que têm instalações sanitárias (de uma higiene impecável, diga-se) e que se situam nas praias de quilómetro em quilómetro, os preferenciais podem utilizá-las sem qualquer custo, podendo apenas ser obrigados a demonstrar a sua idade.
Os Jogos Olímpicos são uma experiência única para quem como eu pôde estar presente mas exigiram longas viagens em transportes públicos, longas filas de acesso aos locais das provas a que se somavam, ainda e muitas vezes, longos percursos a pé. Dias inesquecíveis mas cansativos. Mas em todos os locais existiam "vantagens" para os preferenciais - ou transporte motorizado (permitindo um acompanhante) ou filas exclusivas (tive oportunidade de entrar na loja "oficial" dos Jogos em menos de 10 minutos quando nas 4 ou 5 filas normais levaria mais de uma hora). Assim o tempo e o esforço eram reduzidos para todos, espante-se, os que tivessem, sem nenhuma outra classificação, mais de 60 anos. Com natural aceitação por parte de todas as outras pessoas que esperavam a sua vez nas lentas filas.
As regras que agora por cá se impõem têm apenas, para mim e outros velhos como eu, uma vantagem: não me insere no quadro de pessoa idosa - as minhas mazelas não são evidentes - e deixa-me ficar pelo grupo dos velhos. Grupo mais natural e menos politicamente correcto e que não tem que mostrar evidentes alterações.