A dez meses de chegar aos cem anos - a última vez que falámos apostámos que lá chegaria - faleceu o meu Amigo Edmundo Pedro. E desta aposta perdida fica-me o misto de tristeza e de alegria. Tristeza por ter visto partir uma pessoa que, como os heróis ficcionais, nunca nos deveria deixar; alegria por ter podido conhecê-lo e participar das suas ideias e das recordações de diversas situações que viveu - o prazer que me deu a leitura da versão inicial, ainda manuscrita, de que fez questão de me dar a ler, do seu texto sobre o assalto ao quartel de Beja... Ainda hoje não percebo porque não há um filme sobre aquela acção que, pela sua pena, transmitia a realidade do país: o romantismo amadorístico, cheio de uma coragem capaz de não deixar que algum obstáculo atrapalhasse o objectivo a que se tinha proposto demonstrado por um grupo de resistentes antifascistas a quem faltou sempre a coragem de outros para poder cumprir a missão que lhes norteava a vida; um regime que, impondo o medo, não abria portas fora do seu limitado mundo de interesses.
Ir parar ao Tarrafal, o "campo da morte lenta", com 17 anos e aí passar 9 anos e nunca desistir do projecto da insurreição nacional derrubador do regime facista de Salazar demonstra bem a fibra de que era constituído este querido Amigo. Conhecer a sua vida percorrendo as linhas das suas Memórias é descobrir um herói de carne e osso, de simpatia irradiante, de força moral extrema que será o mais próximo que humanamente se pode conseguir dos super-heróis que desenham os sonhos juvenis da mente de cada um de nós. Homem de enorme firmeza de carácter, tinha uma noção muito clara da lealdade e da decência - reconheça-se com admiração (e pedido público de desculpas!) o seu comportamento no famigerado “caso das armas” que lhe custou, em 1978, seis meses de prisão: que nunca tinha falado perante a polícia e que não se implica alguém que desempenha as funções de Presidente da República (Eanes), foram as explicações, décadas mais tarde, para o seu silêncio.
Edmundo Pedro era uma personagem única!
E por ser único não precisa da preguiça dos copistas para aumentarem incorrectamente a sua biografia que tem, na sua realidade própria, o mais que suficiente para merecer o respeito de Portugal. Edmundo Pedro - sendo um histórico do Partido Socialista - não precisa de ser dado como seu fundador - em cuja lista não se encontra o seu nome - para se reconhecer a importância da sua participação na vida do Partido Socialista enquanto militante, dirigente ou deputado: esteve sempre do lado da justiça, do lado dos mais fracos, do lado da Democracia e, acima de tudo, do lado da Liberdade.
Cito, do prefácio do seu Memórias I, Mário Soares: “Após o 25 de Abril de 1974, ao contrário do seu amigo Fernando Piteira Santos, Edmundo Pedro, entraria no Partido Socialista. Num encontro casual que tivemos, em Setembro de 1973, no aeroporto de Barajas, estando eu já no exílio e de regresso do Chile, de Allende, anunciou-me a sua vontade de se inscrever no PS, que acabava de ser formado na clandestinidade, na Alemanha. Mas essa vontade não chegou a concretizar-se formalmente. Só viria a sê-lo depois do 25 de Abril. […]".
A memória de Edmundo Pedro, pelo que representa para todos nós que vivemos em Democracia, não merece distrações ou desplicências. A extraordinária vida deste homem exige o respeito pelo rigor histórico dos factos.
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[pelo respeito e amizade que tenho por Edmundo Pedro vou ter uma enorme dificuldade em apagar o seu nome e número de telefone do meu telemóvel...]