foto O Minho |
A cidade é um espaço de referência da diferença. Diferença entre as pessoas que a habitam, que a procuram, que a utilizam. Diferença entre a expressão das pedras que a constroem e dos intervalos que definem. Diferença entre os serviços que presta, os empregos que gera, as estruturas que os articulam e que permite a produção de riqueza, conforto e bem-estar para os seus habitantes. Diferença, diversidade e densidade são assim as características que tornam a cidade no aglomerado de excelência da tolerância e da criatividade. Por isso lugar de cultura.
Fazer cidade trata do cumprimento das regras estabelecidas para a organização e articulação de espaços exteriores e interiores, traduzidas num desenho urbano que permita a melhor expressão das suas potencialidades. Mas não trata da uniformização do gosto através da imposição de normas momentâneas produzidas pelos doutos poderosos de serviço.
Se assim fosse, se o gosto de uns poucos — gosto disto! não gosto daquilo! — fosse determinante na generalidade da continuidade urbana, o bota abaixo de uma boa maioria dos edifícios espalhados pelo mundo seria a regra da transformação e edifícios como o lisboeta “Franjinhas” de Nuno Teotónio Pereira ou o berlinense “Bonjour Tristesse” de Álvaro Siza já cá não estariam. E qualquer dos dois presta um bom serviço às cidades que servem.
Há algumas décadas atrás, a Câmara Municipal de Viana do Castelo decidiu demolir um mercado municipal e vender o terreno que o continha. Muito provavelmente, procurando os proveitos de que necessitava, quis vendê-lo por tal preço que só uma elevada construção compensaria eventuais compradores. Encontrado interessado no senhor Coutinho, foi o prédio construído com a óbvia autorização camarária e de acordo com as regras então estabelecidas. Prédio legal portanto e que teve as suas fracções compradas por diversas e diferentes pessoas.
Pela sua dimensão, o prédio, como acontece tantas vezes, levantou polémica e como solução — baseada numa visão estética de perturbação da paisagem — surgiu, ao abrigo do Plano de Requalificação da Viana Polis, a decisão da sua demolição. Abaixo, dit(aturi)ou-se!
E para justificar a decisão definiu-se, num óbvio disfarce da prepotência, um urgente interesse público de construção de — imagine-se! — um mercado municipal. Fechava-se assim um círculo: mercado municipal-demolição-construção de um prédio de habitação-demolição-construção de um mercado municipal.
Ora o Programa Polis está definido como um programa que visa promover intervenções nas vertentes urbanística e ambiental, por forma a promover a qualidade de vida nas Cidades, melhorando a atratividade e competitividade dos polos urbanos. Será que a demolição do “Prédio Coutinho”, prédio bem construído e em boas condições de habitabilidade, repete-se, promove a qualidade de vida dos vianenses? Que melhorias de atractividade e competitividade proporciona a demolição de um edifício que estava habitado por cerca de 300 pessoas? Com que direito, para além do poder discricionário, se impõe a estética, conceito de muito duvidoso direito, como razão de demolição? Que prepotência é esta!?
O processo da demolição do “Prédio Coutinho”, desrespeitando a boa-fé dos cidadãos nas instituições, constitui um brutal atentado cívico ao Estado de Direito. Porque a sua base decisória assenta no preconceito e não no Direito.