sábado, 22 de maio de 2021

SAÚDE E DESPORTO: UMA NECESSIDADE, NÃO O OBJECTIVO

Em resposta parlamentar pela não existência de comparticipação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) ao Desporto, o ministro do Planeamento, Nelson de Souza, respondeu: “O Desporto enquanto elemento promotor e método de prevenção de uma melhor saúde dos portugueses tem uma abertura de financiar a actividade física e desportiva no âmbito da componente C1 da Saúde […]. As actividades desportivas enquanto tal formalmente e pelo tipo de apoios que elas necessitam são sobretudo de emergência para relançar as suas actividades não cabem no âmbito do PRR“ demonstrando, pelo uso do lugar-comum da relação directa Desporto-Saúde, a habitual confusão com actividade ou exercício físicos que podem, naturalmente, envolver jogos e que representam o domínio que, devendo ser generalizado a toda a população, permite constituir a harmonia físico-mental que aumenta as resistências e até a resiliência à doença. Mas Desporto e actividades físicas, não são a mesma coisa nem têm os mesmos objectivos.

Ao contrário do que foi afirmado, o Desporto — que tem o seu domínio na esfera das Federações Desportivas enquanto Associações de Utilidade Pública Desportiva — não tem como objectivo promover a saúde, mas sim a obrigação de garantir que os seus integrantes estão sujeitos ao seu controlo — e daí, por exemplo, a existência de exames médicos de avaliação. 


Garantia que deve ser uma constante. Porque o Desporto, pelas suas exigências no campo do rendimento e da superação, é para quem tem saúde. E, dentro destes que têm as condições físicas e mentais para o praticar, o Desporto — incluindo-se aqui o Desporto Adaptado — é ainda e apenas para os que o querem praticar. Não é portanto para todos: é, repito, para aqueles que o podem e querem praticar. Para todos é, isso sim porque pode ser sempre adequado ao estado de cada um, a actividade e/ou o exercício físicos que constituem, como é do conhecimento generalizado, um elemento, repito, de inegável importância no desenvolvimento da saúde física e mental da generalidade das pessoas.


Tratando-se de uma actividade que tem por objectivo o rendimento e a superação — estamos no domínio da excelência — o Desporto promove, para além do entretenimento que o seu espectáculo proporciona, um conjunto de conhecimentos que se traduzem em vantagens sociais e com aplicação ainda no tecido organizativo e empresarial. Como, por exemplo, com o desenvolvimento do espírito de equipa, reconhecendo a diferença mas evitando a divergência, com a prática da inclusão — no Desporto pouco importa a cor ou a religião — ou com o estabelecimento dos princípios meritocráticos da escolha, criando oportunidades, independentemente da sua origem, para todos os que se inserem no poder-e-querer. 


São também evidentes as condições de inovação científica proporcionadas pelo Desporto, quer pelo melhor e ampliado conhecimento do corpo humano, quer pelas resultantes aplicações práticas como sejam, também por exemplo, a evolução da alimentação e suplementos alimentares, das componentes do vestuário ou do calçado, das componentes de automóveis, motas ou bicicletas, das tecnologias de comunicação e tratamento de dados ou da abertura de novas perspectivas às engenharias e arquitecturas. Enfim, um mundo de relações e aplicações que desmistificam a ideia, errada mas muito recorrente na iliteracia vigente, de que o Desporto não passa de um entretém de fim-de-semana.


O Desporto representa à evidência um óbvio valor social e como tal deve ser apoiado financeiramente por dinheiros quer resultantes da sua actividade quer por dinheiros públicos que permitam, para mais nesta emergência pandémica, garantir — considerando que é crescente a importância no desenvolvimento do domínio económico através do cada vez maior número de empregos que fomenta e de necessidades que desenvolve — a sua continuidade na formação daqueles que substituirão os atletas de hoje, não fazendo, portanto, qualquer sentido considerar que não “cabem no âmbito” do Plano de Recuperação e Resiliência como parece ser a portuguesa visão oficial. Situação que, aliás, não corresponde ao entendimento de outros países europeus…


O Desporto não é um pária social e nós, membros activos da sua comunidade, não podemos deixar que seja tratado como tal. Seja por quem fôr. 


Texto publicado na coluna de opinião do Comité Olímpico de Portugal da Tribuna Expresso em 21/05/2021

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