sábado, 16 de novembro de 2013

Francisco Salgado Zenha

Os meus Dois Presidentes
Fundação Mário Soares, fotografia em iPhone
Há cinquenta anos olhava para o "Chico" Zenha, homem do "reviralho" como dizíamos, num misto de profunda admiração e curiosidade. Conheci-o em Soutelo, próximo de Braga, onde passavamos Setembro. Com os amigos era de manhã no Rio Homem - às vezes à conversa com a paciência do Szabo - e à tarde, no clube que lá existia, entre um pequeno rectangulo relvado cheio de futeboladas e um campo de ténis de cimento. E lá apareciam também o "Chico" Zenha e a mulher Maria Irene com as raquetas. Eles passavam e nós a olhar: contra o Salazar? já esteve preso? e levou porrada lançava algum mais conhecedor.
E nós a olhar... até que um dia a Graça, minha parceira tenística, de olhos a brilhar e a dizer-me: eles querem jogar connosco. O Chico e a Maria Irene querem jogar connosco.
Nós, a Graça e eu, não fazíamos mau par-misto - durante alguns anos, entre juniores e seniores ganhamos alguns títulos e diversas taças. Mas jogar contra o "Chico" Zenha e a mulher... era, naquele tempo, uma responsabilidade.
Lá fomos e aquilo tornou-se um hábito de fins-de-tarde. De retorno anual. Grandes jogatanas.
Estive há dias na Fundação Mário Soares a ouvir, no ciclo "Vidas Com Sentido", os meus dois Presidentes - Soares e Sampaio - a falarem sobre Francisco Salgado Zenha e sobre o que nós e a Democracia portuguesa lhe devemos. E foi bom recordar a personalidade de Salgado Zenha e as suas qualidades humanas e políticas. Com ele percebi a perigosidade (e o objectivo) da Unicidade Sindical - explicou-a de forma clara e  inequívoca. Com ele também percebi - no exemplo prático da sua passagem pelo Ministério das Finanças - que a política comanda, deve comandar.
Pela posição que tomou junto à prisão de Caxias nos dias seguintes ao 25 de Abril, levou a que milhares de pessoas - entre os quais eu - nos mantivessemos dia e noite na exigência de libertação dos presos políticos sem qualquer das reservas que os militares pretendiam, então, impor.
Após a conferência dos Dois Presidentes, Mouta Liz explicou a generosidade e grandeza de Salgado Zenha quando os defendeu em tribunal contra a acusação de "terrorismo". Foi também lembrada - por alguém que lhe agradeceu a sua própria libertação - a responsabilidade de Zenha na libertação das grilhetas da Concordata na questão da aceitação do divórcio civil.
Falada foi também a ruptura com Soares e a sua candidatura à Presidência da República: questão de visões distintas sobre o papel dos militares na Democracia. Naquela altura o campo dividiu-se e eu, como outros, coloquei-me, com muito custo pela admiração e respeito que tinha por Salgado Zenha,  ao lado de Soares - fui, a convite de Gomes Mota, o director executivo da Imagem do MASP I. E se ambos me davam a garantia do traçado de uma linha que não deixariam ultrapassar, a visão que Soares apresentava, nomeadamente sobre o papel dos militares na Democracia, estava mais conforme com o meu entendimento das coisas.
Mas não esqueço Francisco Salgado Zenha, o "Chico" Zenha da minha juventude, nem o que lhe conheci de carácter, de ombridade ou coerência. Ou de defesa dos Valores Democráticos.
E nunca esqueci - repito-as com frequência - duas suas estórias. A primeira sobre Sines: "Devíamos continuar, já lá gastamos muito dinheiro.", avisavam os tecnocratas da altura. "É por isso mesmo: por já lá termos gasto muito dinheiro que não gastaremos lá mais nenhum.". Ficou-me a lição que me serviu em diversas decisões: o jágorismo não é forma de gerir. A outra: estava Zenha numa entrevista televisiva quando o jornalista lhe perguntou qualquer coisa sem ponta de interesse. Sem qualquer hesitação Zenha respondeu, falando sobre um outro tema, politicamente relevante e que nada tinha a ver com a pergunta. "Mas não foi isso que lhe perguntei" disse, atónito, o jornalista. E Zenha, olímpico:" Pois não, mas foi o que lhe quis responder."

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