quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

PROPOSTA DE LEI SOBRE TREINADORES DE DESPORTO (II)

 Senhoras e Senhores Deputados da Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desportos
Para além de arquitecto — inscrito no 724 e membro da Assembleia de Delegados da Ordem dos Arquitectos — sou também treinador de desporto — Título Profissional de Treinador de Desporto no 23064, Rugby Grau III, válida até 1/11/2023 — bem como Formador da FPR — licença FORM0035 — com um currículo que vai desde treinador de equipas de clube com 4 títulos de campeão nacional absoluto e um de campeão nacional da II divisão tendo sido treinador-seleccionador nacional de XV (Juniores e Seniores - 2 períodos distintos) e Sevens (Seniores). A minha mais recente actividade neste campo foi a de, enquanto membro da sua equipa técnica, co-treinar a equipa feminina de rugby do Sporting Clube de Portugal que venceu, há dias, a Taça Ibérica ao derrotar a equipa campeã de Espanha. Pelo meu percurso desportivo recebi ainda a Medalha de Mérito Desportivo Classe Ouro da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, a Medalha Municipal de Mérito Desportivo da Câmara Municipal de Lisboa, o Prémio Barretina Desporto da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar e as distinções de Treinador do Ano (4 vezes), Medalha de Mérito Desportivo, Medalha de Serviços Distintos e Prémio Carreira Desportiva da Federação Portuguesa de Rugby, sendo ainda membro da Comissão Consultiva de Treinadores do Comité Olímpico de Portugal.
Tenho portanto participação activa na prática desportiva portuguesa ao longo de uma vida e tenho a experiência suficiente para o conhecimento necessário a uma opinião abalizada e consolidada sobre a questão da formação de treinadores e da necessidade da melhoria das suas capacidades, defendendo sempre que esse caminho não possa ser feito na base do abuso, atropelamento de direitos ou violação da dignidade.
Tomo assim a liberdade de chamar a vossa atenção para a Proposta de Lei no 146/XIII que a Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto irá discutir em data próxima, uma vez que considero que a sua aprovação constituirá um erro que não contribuirá para a melhoria e desenvolvimento do Desporto português ou dos seus Treinadores.
De facto o documento proposto peca por:
a) formalizar uma visão paternalista e tendencialmente mercantilista sobre a vida profissional dos treinadores e confusionista sobre conceitos, critérios e terminologia desportivos de que são exemplos a exigência do 12o ano de escolaridade para todos os Graus por oposição ao mais correcto mas apenas permitido para o Grau I de posse da escolaridade obrigatória de acordo com a idade (Arto 10o-A) ou ainda (Arto 10o-B) a exigência de oito anos seguidos ou interpolados de representação da selecção nacional absoluta para ser considerado “praticante de elevado nível” (alínea e), ponto 1, artigo 10°-B) — como antigo internacional e treinador de selecções nacionais considero esta exigência despropositada pela ignorância que demonstra sobre os conhecimentos e experiências que se adquirem nas exigências da prestação competitiva internacional ao nível de selecções, bem como pelas comparações temporais absurdas que estabelece com outros parâmetros, tratando da mesma forma temporal situações que produzem níveis de conhecimento muito diferentes.
b) impôr, numa clara violação do domínio dos Direitos, Liberdades e Garantias — matéria que deve ser sempre presente em qualquer exercício de uma sociedade democrática e republicana — regras inaceitáveis, indignas e violadoras de direitos fundamentais como a de “formação contínua obrigatória” — de muito duvidosa legalidade para além de se tratar de uma imposição que não existe, por exemplo, em nenhuma das Ordens profissionais – ou do brutal abuso de poder ao considerar caducado (Ponto 2 do Arto 8o) o Título de Treinador a quem não tenha atingido o número de créditos administrativamente estabelecidos e resultantes do somatório da obrigatória “formação contínua” num prazo de três anos — perdendo-se assim toda a experiência e capacidades acumuladas e demonstradas durante anos. Para além do mais a “formação contínua obrigatória” corresponde a escolhas externas que raras vezes incidem nas verdadeiras necessidades do Desporto português e são ainda e normalmente de fraco nível, quer por falta de verificação do interesse e conformidade por parte dasmodalidades — a proposta de lei é omissa sobre a matéria — quer pela inexistência de concorrência que a formação contínua e não obrigatória produziria. Os treinadores, embora estudem e procurem sempre novos conhecimentos que melhorem as suas capacidades que demonstram semanal e publicamente, já não são mais estudantes obrigados a um determinado percurso curricular — assistindo-lhes, portanto, o direito à livre escolha e auto-orientação da sua carreira. Com óbvias vantagens para todos numa matéria que necessita da permanente abertura de novos caminhos de prática metodológica — de outra forma não haverá criações inovadoras como foram a "Escola Portuguesa de Meio-fundo" de Mário Moniz Pereira ou a “Periodização Táctica” de Vítor Frade...
Face a esta perspectiva negativa, pode perguntar-se: porquê então que só alguns se mostram contra e não há unanimidade face aos aspectos negativos que o sistema actual representa e que a proposta apresentada se propõe continuar? A resposta é simples e evidente: existem (e as denúncias têm sido múltiplas) diversos interesses envolvidos — nomeadamente financeiros — que se aproveitam deste sistema. E por isso preferem a sua manutenção. Ou seja, a formação dos treinadores portugueses é muito mais norteada pelo mercantilismo financeiro do que pelas reais necessidades de desenvolvimento do desporto português por forma a aproximar a sua expressão dos níveis competitivos estrangeiros a que se junta, repete-se, o abuso de uma pena administrativa violadora de direitos que devem ser garantidos como base da consolidação de uma carreira.
Necessitamos de repensar e reformar a formação e desenvolvimento dos treinadores, ensinando-os, principalmente, a treinar, não a acumular matéria. E os cinco anos já passados com o actual sistema que esta proposta se propõe continuar, devem ensinar-nos alguma coisa...
Agradeço assim — porque não gostaria que a Assembleia da República se mostrasse apoiante de uma errada solução que, ao ter força de lei, irá prejudicar o desenvolvimento do Desporto em Portugal — que a Comissão tenha particular atenção ao parecer doComité Olímpico de Portugal que, numa clara e inequívoca posição favorável ao real desenvolvimento desportivo, coloca os pontos essenciais da proposta em causa e pede a sua não aprovação.
Com os melhores cumprimentos, saudações democráticas e republicanas
João Paulo Bessa

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