Para além de considerar surpreendente — como foi admitido pela gente do terreno?! — que o vice-presidente de um sindicato de motoristas de matérias perigosas com voz activa, permanente e dita negociadora, não faça a mínima ideia de que trata a condução de pesados, não deixo de me espantar com a série dos politicamente correctos que sem soluções para coisa nenhuma vêm a terreiro “achar que” como se o conflito não tivesse ultrapassado o domínio específico das partes para atingir o país. A que se juntam, aproveitando a possibilidade de 15 minutos de mediática fama, os “estruturados bem-pensantes” que de tanto temerem a queda de qualquer parente na lama, jogam sempre para o lado que sentem o vento soprar. Que é isto e mais aquilo, que é de duvidosa necessidade ir tão longe, que colocam em causa a liberdade dos trabalhadores, que é um ataque aos sindicatos, que estão a gerir — vendo-se ao espelho — a crise de acordo com interesses eleitorais. Sempre com aquele ar de imensa preocupação pelos outros que, no entanto, nunca activamente têm. Ou, se têm, descaindo-se para o paternalístico papel de grandes defensores do seu mundo a preto-e-branco...
No entanto e neste jogo de interesses, os factos são estes: o povo português — e não os patrões dos motoristas — são, de forma indiscriminada e pela segunda vez num espaço de poucos meses, os principais prejudicados. Ou seja, terceiros sem culpas no cartório e que não têm possibilidades de intervenção ou de encontrar soluções, e que, obviamente, não serão os ricos, são as verdadeiras vítimas. E, por isso, faz todo o sentido que o Governo, democraticamente responsável pelo bem-estar do país, venha a terreiro, impondo meios para minorar prejuízos morais e materiais. É também para isto que queremos que exista, para nos garantir a tranquilidade de uma vida. E a chamada dos militares, por muito que custe aos que em tudo vêem um ataque à dignidade corporativa, é mais do que justificada. Para o que basta ter conhecimento do que significa a actualidade efectiva do conceito de Defesa Nacional.
Porque a realidade é inadmissível: como é que umas poucas centenas de trabalhadores conjuntamente com umas dezenas de empresas paralisam um país?! E porque fizeram de conta, uns e outros, que tinham acordo — a greve terminou, não foi? — para voltarem ao mesmo logo a seguir? Que interesses escondem?
Ninguém pode ter o exagero de poder que lhe permita tomar conta do país. A ninguém pode ser permitido o poder de criar, indiscriminadamente, prejuízos a torto e a direito.
E porque uma paralisação deste género não deve ser possível, é fundamental que daqui se retirem as consequências necessárias para impedir futuras repetições. Estabelecendo princípios que garantam que a ideia de que o mesmo número de camisola servirá a toda a gente, não se repetirá. Definindo conceitos legais que garantam, como sempre defendi, que os sectores estratégicos o país — saúde, electricidade, água, comunicações, combustíveis, etc. — devem estar, preferencialmente, nas mãos do Estado democrático. Para que o seu controlo não seja uma arma de arremesso. E se existirem, como existem, privados nalguns destes sectores, devem ficar sujeitos a leis e regras suficientemente restritivas e claras para que seja impossível o seu uso abusivo. Garantindo, na base de princípios iguais, que para caso diferente as acções e exigências sejam também diferentes. Acabando, de uma vez por todas, com os abusos que a todos prejudicam e garantindo a eficaz protecção a quem trabalha.