A morte de A RAINHA provoca-me, para além de um sentimento de perda — apesar de republicano sempre admirei as enormes qualidades e a decência que demonstrou durante 70 anos de influente reinado — a estranha sensação de ter terminado a minha juventude.
Enquanto A RAINHA viveu e pelo facto de ter tido a sua figura presente em toda a minha vida — tornou-se Rainha quando eu tinha 5 anos — tive sempre a sensação, pelos 21 anos que nos separavam que, pelas actividades e responsabilidades que mantinha na sua provecta idade, me marcava uma fronteira de capacidade jovem. Infelizmente o vazio que nos deixa atira com o bom exemplo para as lembranças que conseguirmos guardar, na presença que já não temos. Provavelmente, porque se foi a presença, é isso que sinto como perda de juventude…
A minha avó, embora galesa e com pouco afecto pelos ingleses que lhe usurpavam o país, tinha por ela grande consideração e, por isso, levou-me, ainda eu não tinha feito dez anos, ao aeroporto de Pedras Rubras para ver A RAINHA quando em 1957, visitou o Porto. Pela impressão com que então fiquei, é uma recordação que mantenho viva.
Com A RAINHA aprendi, pela sua referência ao “duty first, self second” que lhe terá, ao que parece, sido transmitida pelo seu pai, o verdadeiro significado e dimensão do lema SERVIR com que fui educado no Colégio Militar. Percebi que SERVIR não era o sim-senhor, obediente e acrítico como alguns pretendiam, mas a disponibilidade responsável de serviço. Embora este entendimento me trouxesse toda a sorte de problemas com os autoritários medíocres do costume, ganhei no saber estar profissional e social.
Tinha A RAINHA um notável sentido de humor que exercia de acordo com o seu “Let us not take ourselves too seriously. None of us has a monopoly on wisdom”. Quem faria, nas comemorações do seu Jubileu de Platina, uma rábula de hora do chá com o urso Paddington a mostrar-lhe(nos) a sanduíche que transportava na mala para uma possível emergência?… ou o recurso a outra rábula com Mr. Bond para a abertura dos Jogos Olímpicos de Londres…
Não sendo de menos, pela atitude que demonstra, o facto de ter sido mecânica voluntária de veículos militares durante a Grande Guerra, A RAINHA tinha ainda, como todos reconhecemos, uma paixão por cavalos — como membro da Escolta a Cavalo do Colégio Militar tínhamos na sua Guarda, entre o vermelho deles e o nosso castanho, um bom modelo de garbo e aprumo. Não gostava apenas das diversas formas do hipismo, gostava de Desporto em geral como demonstrou com a passagem de um documentário apresentado publicamente no seu Jubileu de Platina onde homenageava atletas e equipas masculinas e femininas de acordo com a sua ideia de que “Sport has a wonderfull way of bringing together people and nations”. Para além da sua presença em diversos momentos desportivos, desde sempre que galardoou diversos desportistas pelos serviços prestados como no caso do Rugby em que Sir Gareth Edwards de Gales, Sir Clive Woodward de Inglaterra, Sir Ian McGeechan da Escócia ou Sir Graham Henry da Nova Zelândia foram, entre outros, nomeados, pelos Cavaleiros Britânicos.
Apesar dos seus 96 anos, a sua morte, se não é uma surpresa inesperada, não deixa, como ela justificou no seu “grief is the priece we pay for love”, de me causar — no simbolismo do seu reinado e legado de influência mundial e que define uma época — uma tristeza que poderia considerar quase familiar.
Que descanse em paz!