terça-feira, 5 de março de 2013

Ginásio Dario Fernandes

Jacinto Luís
O velho Ginásio, o nosso velho Ginásio de mais de meio século, cheio das nossas memórias de saltos de plinto, de mini-tramp, de cama elástica, de corridas, de cambalhotas, de mortais e flic-flacs, de subidas à corda ou a espaldares ou equilíbrios de subidas à barra ou passeios na trave ou de jogos colectivos, em aprendizagens precisas de destrezas e domínios corporais, ganha hoje uma nova vida ao ver-lhe acrescentado o nome ilustre de um dos nossos: Professor Dario Fernandes. Ginásio Professor Dario Fernandes.

Quando Dario, em 1962, chegou ao Colégio eu já fazia parte, como alguns outros que aqui estão hoje presentes, da Classe Especial de Ginástica pela mão de Mestre Reis Pinto. Era uma excelente classe, trabalhada na técnica das posições, na disciplina da articulação de desenho exacto dos segmentos corporais a que a preocupação do Mestre pela flexibilidade, dava uma dimensão estética inultrapassável. Na passagem de mão, Dario Fernandes, a nada virando as costas da anterior formação e preparação, mas, pelo contrário, tirando dela todo o partido, deu-nos, abrindo-nos novas caixas de ferramentas, uma nova alma ao introduzir-nos no mundo da acrobacia gímnica, na parafernália de saltos e acrobacias que nos transportavam a um outro mundo – e como treinávamos… sempre com o sorriso e a mão de apoio, subtil, a safar qualquer erro. Crescemos assim como classe, como grupo, como grupo de amigos, solidário e empenhado numa partilha de confiança absoluta: "podes tentar que consegues", respondia às nossas preocupações de risco. Foi uma Classe Especial excelente que se mostrou em diversos saraus. E assim continuou anos a fio até à Classe de Gafanhotos com que em 1994 encerrou a sua prestação de professor.

Há anos atrás - tantos que o Refeitório dos Oficiais ainda era no velho edifício, hoje desaparecido, onde foi a minha 1ª Companhia - recebi um convite do então Director para assistir a uma exibição da Classe Especial da altura, seguida de almoço com ele próprio. Naturalmente, apresentei-me. Vi a Classe e encontrei, com alguma surpresa e já na mesa de refeitório do Director, o Dario. “Então, gostou?”, perguntou o Dito. ”Nem por isso”, respondi sem os grandes alardes que um convidado não pode ter. Pediu-me para explicar e eu disse: “Não é a nossa cultura gímnica! À habilidade faltou forma, ao destemor faltou disciplina senão técnica, à dimensão faltou estética. Pareceu-me que estaremos no limiar da acrobacia de saltimbanco.” Dario sorria, levemente, mas sorria. “Percebo…”, disse o Director e Dario sorriu mais.

Dario Fernandes tinha, sem nunca mo ter dito, arranjado aquele encontro. Desgostoso do caminho colegial que a sua Ginástica estava a levar, queria mostrar uma outra opinião. Leal como sempre, não influenciou. Mas, mais uma vez, Dario Fernandes mostrava-se o herdeiro cultural da forma como encarávamos o exercício da ginástica e a sua apresentação. Graças ao Dario a nossa cultura, a nossa tradição gímnica, o nosso Colégio, tinham ganho mais uma batalha. Destreza, desenrascanço, ousadia, destemor, com certeza, mas enquadrados pela excelência da técnica, do rigor e da disciplina. Pela estética mais do que pelo espanto. Ou seja: dentro do quadro do que somos, do que queremos ser, enquanto Colégio Militar. É por isso que Dario Fernandes é um dos nossos: porque construiu connosco, na partilha de cada dia, o desporto que constitui um dos factores distintivos e identitários do nosso Colégio. É dos nossos porque lutou, porque luta, connosco pelos mesmos valores! E por isso, em cada um dos três milhares de alunos que os seus 33 anos de serviço colegial permitiram, deixou a raridade de um amigo e de uma saudade.

Fico contente, por ti e por nós, meu velho Ginásio agora que rejuvenesces com o espírito aberto, cativante e alegre, carinhoso, leal, franco e solidário de um verdadeiro humanista que é o sempre presente espírito do Dario Fernandes que agora te amplia o nome. Guarda-o bem e lembra-te: quando as nossas memórias se apagarem e fores tu quem tenha de responder à dúvida do quem foi?, lembra-te que recordarás um Homem de Bem. Um dos nossos!
João Paulo Bessa (200/57)

[texto dito na cerimónia de colocação do nome do Professor Carlos Dario Fernandes no Ginásio do Colégio Militar a convite da Associação dos Antigos Alunos em 3 de Março de 2013]

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