quinta-feira, 5 de abril de 2018

VIOLÊNCIA NO DESPORTO NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA

A Assembleia da República, através da sua Comissão de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto a que se juntou a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, realizou, na Sala do Senado, uma Conferência Parlamentar subordinada ao tema “Violência no Desporto” com duração de um dia e organizada em torno de três painéis: Painel 1 - A violência no Desporto vista pelas organizações do fenómeno desportivo; Painel 2 - A Justiça e a violência no Desporto; Painel 3 - Violência no Desporto: que papel para a Comunicação Social. A sessão terminou com intervenções dos representantes dos Grupos Parlamentares que constituem a Assembleia da República.
Pese a densidade do número de horas, o domínio do tema era suficientemente interessante para me fazer estar presente. E ouvi do primeiro ao último minuto.
A minha primeira anotação foi de estranheza. 
A estranheza - anotada também pelo conferencista Presidente da Confederação Portuguesa do Desporto de Portugal - surge no enunciado que deu nome à conferência. A violência que se pretendia escalpelizar, não está no Desporto, isto é, no domínio do confronto que lhe é próprio e  que, nesta matéria, tem a sua auto-regulação eficazmente estabelecida, mas sim na sua envolvente, isto é, nas componentes que transformam o Desporto em Espectáculo Desportivo. E para a compreensão deste equívoco que trata faces diferentes da totalidade de um fenómeno que tem raízes distintas, vale a pena lembrar a intervenção do Presidente do Comité Olímpico de Portugal que, já depois de uma excelente e esclarecedora intervenção sobre o tema geral, muito bem definiu, aclarando a confusão, os domínios de responsabilidade da regulação desportiva e da regulação estatal. Aliás, na Conferência, esta confusão, resultante até da ordem definida dos oradores que, não seguindo o caminho do geral para o particular, colocou o foco do tema no futebol. E tão de futebol se falou que a conferência se deixou marcar pelos pontos de vista do Presidente do Sporting Clube de Portugal…
Aliás a demonstração de que a violência não está no exercício do Desporto verifica-se na evidência de nunca se ter falado do Atleta - apenas, num ou noutro momento, de jogadores de futebol e apenas por razões laborais.
Assente a focalização no futebol, embora aqui e ali se ouvissem vozes a tentar alertar para a existência da violência noutras envolvências desportivas, pouco se opinou sobre o como intervir naquilo que o Presidente do Sindicato dos Jogadores (de futebol, claro!) definiu como “terra de ninguém”, esse espaço vazio onde nem a capacidade legislativa da Assembleia da República, nem a capacidade interventiva do Governo ou dos promotores do espectáculo desportivo ultrapassam a intervenção tímida e pouco exigente, misturando conceitos para, no fundo, entregar a água do seu capote ao parceiro do lado.
E ouviram-se coisas, mesmo se algumas encobertadas pela preservação dos valores do Desporto chamados então à liça, de espantar.
Como, por exemplo, a proposta do Presidente da Liga de Futebol Profissional - julgo ter percebido que seria para as claques visitantes - do retorno do velho “peão” - áreas não enladeiradas - mesmo se assente no sofisticado conceito de área de cadeiras removíveis (não vá a UEFA torcer o nariz), ignorando - mas muito de acordo com o momento de retrocessos que nos parece assaltar - as mais elementares regras de segurança que a transformação do espectáculo desportivo em espectáculo de massas exige. Se o limite estabelecido para não cair na zona de ocupação espacial de elevado risco é de 5 pessoas por metro quadrado, como garantir - não falando já no conforto dos lugares sentados - que o “peão”, para mais em superfícies inclinadas ou em plataformas, terá a segurança necessária. É que o facto de se pretender ver o jogo de pé não invalida, por razões de objectiva segurança, a necessidade do controlo do posicionamento das pessoas não deixando, nomeadamente, que a nova densidade ultrapasse a densidade resultante dos lugares sentados, garantindo assim o cumprimento do princípio essencial de “uma pessoa, um bilhete, um lugar”.
Não lhe ficando atrás, ouvi a pretensão de um dirigente clubista de aumento do “perímetro de segurança” dos estádios para melhor controlo de adeptos. Claro e o papel das cidades e dos seus habitantes não é outro mais do que ficarem reféns dos jogos de futebol, deitando às urtigas os direitos da cidadania numa subordinação preocupante às exigências simplórias do desporto-rei... fomentando o aumento da “terra de ninguém”: não se ataca o problema da ineficácia do controlo dos maus comportamentos dos adeptos e joga-se apenas no campo da irresponsabilidade do afastamento.  
Também vieram à baila as questões - já recorrentes num país de pouca dimensão e baixa cultura desportivas - do qual do se "com" ou se "contra" definirá o confronto desportivo, bem como os pretendidos malefícios do "resultado" que envolvem o Desporto e a sua prática. A resolução parece-me simples e sem qualquer duplicidade. Naturalmente que o Desporto é "com" porque o "eu" ou o "nós" precisam de outros para competir - a competição consigo próprio não é Desporto! - mas também é “contra” porque são necessários adversários que, com a sua oposição e qualidade, possibilitem a superação individual ou colectiva que define o Desporto. Como sistema complexo que é o Desporto precisa de colaboração (acertar as regras, calendários, locais, etc.) e de oposição (o jogo competitivo). E daqui, desta competição com opositores (porque têm o mesmo objectivo), não vem qualquer mal ao mundo porque estabelecida em regras e normas previamente definidas e acordadas e directamente julgadas por mediadores que garantem a igualdade de oportunidades de cada prova ou momento. E se o Desporto é superação, a sua avaliação faz-se através do resultado. Que não é a fonte directa de qualquer mal mas, como tudo na vida, pode ser bem ou mal perseguido. O Desporto, como a vida, também apresenta a necessidade da escolha. E, para a balizar, criou-se um conjunto de regras - baseadas em Princípios e Valores - que definem o corpo da designada Ética Desportiva.
A questão não estará no resultado - que garante, entre outras coisas, as componentes da pesquisa científica, da inovação de materiais, de métodos ou de processos, do desenvolvimento motor, do controlo da saúde, do equilíbrio competitivo  ou da atractividade que também caracterizam o Desporto - mas sim na criação de formas e meios que evitem a batota na sua construção. Porque Desporto, sem resultado, não existe!
Também se percebeu, apesar dos prejuízos que causam ou causarão à solidez financeira do futebol, que dificilmente nos iremos ver livres do bullying provocado pelos comentadores que enxameiam os programas televisivos de futebol e que, avisaram os jornalistas presentes, poderão, nos tempos mais próximos, tornar-se ainda piores. Mas também aqui, ninguém parece procurar soluções que ultrapassem o deixar andar até que caiam. Porque encarar de frente os problemas e resolvê-los inteligente e eficazmente, não é adequado à permissividade que invadiu a Democracia. Também aqui se ficou pelo esperar para ver.
O futebol, reconheceu-se, está sob suspeição. Por razões diversas, algumas mais conhecidas outras menos. No entanto parece-me que uma das razões que tem tornado o futebol mais atreito a jogo sujo dentro de campo deve-se ao facto de, ao contrário de diversas outras modalidades e muito por uma sua pretensiosa posição de superior importância, nunca ter adaptado as suas regras disciplinares às alterações que a passagem ao profissionalismo e à globalização forçosamente exigem - um bom exemplo dessa má postura é a entrada tardia, mal estruturada e sem qualquer recurso à muita experiência de outros, do vídeo-árbitro. Infelizmente neste campo da exigência da garantia evidente do jogo limpo, tratando-se de uma resultante importante do domínio da auto-regulação desportiva, parece ficar-se à espera que outras entidades instituam a composição do cenário, colocando a mão por baixo do que já não é inocente.
O que não ouvi e teria gostado de ouvir, foram respostas a uma simples pergunta e que, na minha opinião, deveria ter marcado todos os painéis deste Debate Parlamentar: porque é que estamos organizados assim? Ou e de outra forma: como é que chegámos a esta situação?
Encontrada e analisada a evidência das causas, poderemos então encontrar as soluções que real e eficazmente ataquem e resolvam os verdadeiros problemas, ultrapassando as contingências, sejam de que tipo forem, que impedem o cumprimento dos princípios cívicos que a Democracia defende e os princípios e valores que o Desporto exige. Porque a violência na envolvente desportiva existe e não pode ser admitida.

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