sexta-feira, 15 de julho de 2011

Sanfermines

Nos encierros de San Fermín os Miura correm sempre ao domingo: porque são nobres e há muita gente – cerca de 3500 para oitocentos metros de corrida entre o curral de Santo Domingo e a Monumental de Pamplona.
Durante uma semana todos os dias às locais 7 da manhã estala o foguete e os seis touros lançam-se na corrida acompanhados pelos mansos que os enquadram. Na frente, ao lado, atrás, os corredores – gente de todas as idades e de ambos os sexos que quer experimentar a sensação de correr à frente de um touro. Tem consciência que pode morrer? é a pergunta dos panfletos que distribuem por toda a cidade – e podem. Mas as calles estão cheias, tão cheias nalguns dias que não se percebe como correm sem ver os touros, escondidos atrás da mole de gente aos encontrões para fugir às pontas das hastes.

À medida que as ruas se vão enchendo e que as guardianas – mãe e filha que durante o ano têm a figura do santo no vestíbulo de sua casa – colocam a estátua no nicho tradicional da cuesta de Santo Domingo, uma tranquila tensão marca o tempo dos três cânticos que lhe pedem protecção.

Há, na suspensão do tempo, um misto de loucura e fé, de crença, em cada manhã da feira. E a crescente tensão, de tão tranquila parece não deixar outra hipótese que não seja a obrigação de estar ali e esperar que a sorte das coisas nos proteja – que Deus nos guarde parecem traduzir os mais conhecedores. Os outros, capazes de todo o disparate, alienados no ambiente envolvente, nem percebem que precisam de protecção – San Fermín, sem olhar a quem, distribui passes do seu capotino permitindo as tangentes milimétricas num toureio miraculoso.

Nem se compreende como não há mais feridos, mortes até: são encontrões na procura dos huecos – intervalos entre as cabeças dos touros - quedas em montóns, pisotóns, cornadas, numa corrida espectacular, de grande emoción, com as velocidades garantidas pela equipa de pastores – o recorde 2011 foi de 2 minutos e onze segundos de curral a curral para toda a manada – e que não permite distracções: De mozos (as) a touros. Durante a corrida é o silêncio dos comentadores televisivos, o silêncio dos momentos graves com os mozos corredores, no centro da rua, a safarem, porque se fazem à atenção dos touros, os que, cozidos às paredes, nem sonham o alvo que podem ser.

Mas há quem saiba muito, correndo na frente dos touros, adequando a velocidade, usando o jornal para controlar, saindo no tempo de deixar o percurso a outro – qué bién, ouve-se - fazendo corridas que vão durar nas memórias.

No final, a televisão dá a estatística dos feridos – o quê e onde. Antes da largada apresentam-nos as estatísticas das outras passagens do ferro por Pamplona: melhor e pior tempo, média de cornadas e de feridos por corrida. E claro, pesos e nomes de cada touro. Tudo organizado num suporte dedicado e orgulhoso das suas festas de San Fermín.

Em Pamplona toda a organização se subordina à menorização do risco. Há regras a cumprir e truques de segurança – nem o lenço nem a cinta devem ser presos de tal maneira que um corno possa prender e arrastar o corredor. As festas de Pamplona têm um rigoroso ritual, tudo tem uma ordem e um protocolo: os vereadores municipais fazem o percurso a garantir que tudo está conforme; polícias municipais impõem a ordem da ocupação dos espaços já limpos pelas equipas de serviço da sujidade dos delírios nocturnos; no hospital tudo está a postos para receber feridos que fazem a primeira triagem na própria rua ou nos diversos postos espalhados ao longo do percurso. Os fotógrafos ocupam, com máquinas a disparar por controlo remoto, os lugares – com a curva Mercaderes à frente - que garantam as fotografias que vão viajar pelo mundo a mostrar a diferença deste espaço de risco gratuito mas de festa. De enorme festa!

Nas casas com varandas os alugadores tomam o pequeno-almoço com os moradores e veem o encierro na privilegiada posição de se assustarem apenas com o perigo dos outros.

O vermelho domina sobre o branco da vestimenta tradicional – embora haja camisolas de clubes de futebol ou rugby – e o espírito de Hemingway tem presença permanente.

Menos grave do que se esperava é o alívio final de cada encierro. Durante uma semana Pamplona não dorme nem descansa, vive. E despede-se num mar vermelho a encher a praça do Município e a cantar Pobre de mí, pobre de mí, que se han acabado las fiestas de San Fermín. Na certeza que Ya falta menos.

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