O mais irritante, cansativo mesmo, desta altura da crise é ter que ouvir uma série de barrigas-cheias a dar moral, plantados na pantalha em perorações cheias de si mesmo.
Que se deveria ter feito assim, que se deveria ter feito assado, sempre com a receita na ponta da sua importância e de repente – que a memória tem destas coisas – lembrámo-nos que foram ministros, responsáveis disto e daquilo, que tiveram as oportunidades necessárias e que fizeram uma qualquer outra coisa distinta daquilo que deveriam fazer – ou que dizem agora dever fazer-se.
Os brasileiros têm uma expressão notável para expressar o meu estado de espírito: não vem que não tem! Tudo dito com a inferência necessária: não tenho saco onde caiba o teu paleio!
NÃO VEM QUE NÃO TEM!
Um ex-ministro, o sr. Mira Amaral, escreveu, dias atrás, que seria a classe média a pagar a crise porque, eis a razão, “como se sabe, em Portugal, os ricos não pagam impostos”. Olímpico! E a culpa, menino, a culpazinha, a responsabilidade, é de quem? De quem por lá andou ou de quem nunca lá chegou? Pouco importa desde que não se percam os quinze minutos seguintes da fama wharoliana.
Outros, do alto da sua esplêndida presunção de senhores professores (não fixei o nome no Prós&Contras), vêem demonstrar-nos que a falta da capacidade de poupança das famílias se deve à sua liberdade de escolha – à sua quê?! Distinto e claro: à liberdade de não saber ler a linguagem ininteligível dos contratos, de não conseguirem resistir às promessas vantajosas do papel feito produção de coisa nenhuma, de acreditar na explicação cor-de-rosa dos que, marcando pontos, garantem o negócio financeiro dos bancos – dos sub-primes, das hipotecas de que se desconhece paradeiro, das promessas incumpríveis de juros impossíveis. Dessa imensa liberdade de explorar o próximo sem qualquer ética ou remorso – é a sobrevivência do mais forte, debitam na consciência para confortável alívio e doce remanso (a propósito e para que conste: Darwin, não pôs assim a questão).
NÃO VEM QUE NÃO TEM!
Como é possível ainda, aceitar uma Justiça que se mede por um dirigente sindical dos juízes que para se queixar do corte salarial – menor que o meu que nunca tive qualquer subsídio de renda – lança atoardas, numa sede conspirativa de serviço a frio, sobre putativa vingança por causa dos boys. Não há senso? Ainda por cima, como mostrou Miguel Sousa Tavares, enganando-se nas contas… e sem que os tribunais andem mais depressa e cumpram a missão que o direito da democracia exige.
NÃO VEM QUE NÃO TEM!
E que tal se esse enorme conjunto da sabichões, ordenadores de equações, pensadores da coisa feita, orientadores e servidores piedosos, fossem capazes – sendo verdade que a palavra crise pode ser associada à ideia de oportunidade – de criar oportunidades que nos tirassem da cepa torta. Com tantas ideias e tantas certezas, a coisa, pela certeza das mesmas coisas, vingaria.
NÃO VEM QUE NÃO TEM!