terça-feira, 31 de julho de 2012

Santos Manuel (1933-2012)

Eram tempos pós-brasa, no tempo em que uma enorme generosidade transformava Portugal e o fazia sair da escuridão cultural e cívica em que nos tinham obrigado a viver. O palco de A Barraca era ainda na Alexandre Herculano.

Muitas vezes, depois dos espectáculos públicos, actores, encenadores e amigos, juntávamo-nos na sala de espectáculos para serões até alta madrugada em que o teatro fazia sempre uma perninha - treinos, chamavam-lhe a gozarem comigo.

A farra consistia na ida para o palco de quem quisesse e que teria, a solo e de improviso, de entreter os outros. Valiam aplausos e apupos. Obrigatório, a gargalhada dos presentes. Grandes momentos de amizade em que os próprios apupos eram um gozo muito particular a fazer rir mais do que o esforço do actor.

Santos Manuel decidiu ir para o palco: levou uma tábua de passar-a-ferro, um ferro, uns trapos e meia-dúzia de pastilhas brancas e todas iguais. Tratava-se, percebia-se ao longo da representação, de uma charge a uma conhecida e amiga actriz (de uma outra companhia, diga-se) que andava naquela fase de desconfiança a precisar de pastilhas para tudo: para representar, para falar, para andar, para ouvir, para se lembrar das falas...para o que quer que fosse.

Nunca mais me esqueci. O Santos Manuel fez uma representação extraordinária. De alto nível e de grande cultura teatral. Ainda hoje a tenho na memória - foi um dos momentos mais marcantes que assisti em representações teatrais.




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